RACISMO NÃO!

RACISMO NÃO!

 

Eu não entendo racismo e nunca entendi. Eu não julgo as pessoas por causa da aparência, mas as vejo como seres humanos iguais a mim”, diz Sacha S.

 

Ser jovem, branco e francês nunca foram características suficientes para que Sacha S. não deixasse de sofrer racismo nos países onde morou, inclusive na própria França. Filho de professores, quando criança mudou-se com seus pais, primeiramente, para a Polinésia Francesa, onde passou sua infância e adolescência, entre os seus 5 e 12 anos. 

Após ter adquirido o sotaque local, e se adaptado aos usos e costumes da Polinésia, teve que voltar a morar na França com sua família. 

 

Em seu próprio país de origem, Sacha sofreu insultos ebullying dos seus colegas de escola, por simplesmente se vestir, se comportar, e falar de forma diferente dos demais franceses, que provavelmente nunca ultrapassaram suas próprias fronteiras. 

 

Aos 16 anos, Sacha mudou-se novamente com sua família, mas agora para Tunísia, onde morou durante três anos (1988-1991). Sendo a Tunísia um país norte-africano e islâmico, Sacha lembra-se de não ter sido recebido de braços abertos, principalmente por ser branco, proveniente da Europa Cristã Ocidental, em uma época de grandes conflitos político-econômicos durante a Guerra do Golfo (1990-1991).

 

“Sempre me senti um imigrante, até mesmo no meu próprio país. No entanto, as adversidades tornaram-me mais forte e mais maleável às mudanças e às diferenças. Hoje, eu me considero um cidadão do mundo”, diz Sacha S.

 

Atualmente, Sacha S. mora há três anos em Londres, com sua esposa, Dominique M., que também conta para nós um pouco do racismo que sofreu enquanto morou em diferentes países durante sua infância:

 

“Quando criança me mudei com a minha família da França para Portugal. O país havia acabado de entrar para a União Europeia. Nós morávamos na pequena cidade de Braga, e nos fins de semana costumávamos passear juntos. 

Lembro-me de quando eu tinha 4 ou 5 anos de idade, estávamos andando na rua. Meu pai segurava minha mão de um lado, minha mãe segurava minha mão do outro, quando passamos perto de um grupo de pessoas. Elas olharam para nós com olhos arregalados. Primeiro para o meu pai, um francês, branco e alto e depois para minha mãe, uma mulher asiática de Singapura (família da Índia), morena e baixa. Elas, então, viraram os olhos para mim com uma expressão estupefata que pareciam dizer: ´Que tipo de mistura é essa?!´.

 

Eu também senti a diferença racial muito forte na escola. Diferenças culturais, principalmente. Viver na Europa e abraçar minhas raízes asiáticas nem sempre foi fácil. Lembro-me de um dia na escola, perguntaram-nos qual era a nossa comida favorita e mencionei um prato asiático que adorava. Ninguém sabia o que era naquela época, a menos que estivessem estado na Ásia ou fossem asiáticos. E a resposta que recebi de algumas das crianças foi desprezo absoluto –como se eu estivesse inventando um prato ou mentindo.

 

Na verdade, acho que a cor da minha pele sempre causou confusão nas pessoas, e que, misturado com o meu nome (que é tipicamente francês), sempre trouxeram comentários que me fizeram sentir que, não importa onde eu fosse, eu nunca iria realmente me encaixar. Tem sido difícil defender minhas raízes europeias e asiáticas em ambos os lados do mundo. E, às vezes, sinto que foi principalmente minha cor de pele mista, mais do que minha nacionalidade, seja a maior causa dos comentários dolorosos”, diz Dominique M.

 

Cresce racismo após BREXIT

 

Não é de hoje que a sociedade lida e luta contra o racismo, no entanto, os crimes de ódio relacionados ao racismo só têm crescido ao redor do mundo nos últimos anos. 

 

Segundo a relatora das Nações Unidas (UN), Prof. Tendayi Achiume, durante sua última visita ao Reino Unido, constatou que o Brexit  contribuiu para um ambiente de maior discriminação racial e intolerância, identificando uma série de preconceitos que atormentam as vidas de minorias étnicas na Grã-Bretanha.

 

No Reino Unido, foi registrado um aumento de 29% nos crimes de ódio, ocorrendo 80,393 casos em 2017 contra 62,518 casos em 2016. Segundo o Home Office,  o aumento dos crimes de ódio aconteceu principalmente após o Brexit. 

 

Do total de crimes de ódio registrados em 2017, 62.685 (78%) foram por racismo;  9.157 (11%), orientação sexual; 5.949 (7%), religião; 5.558 (7%) contra deficiente; e 1.248 (2%) contra transgênero.

 

Nacionalismo é tendência mundial 

 

Infelizmente, vivenciamos uma nova onda nacionalista, não só no Reino Unido, mas também em outros países, como Estados Unidos, Brasil, Itália, Espanha e Irlanda. Culpam a globalização pela crise econômica mundial, e decidem se fechar, ‘taking back control’.

 

No entanto, ao mesmo tempo que a globalização demandou maior cooperação entre os países, exigiu também maior contato entre as diferentes raças, aumentando com isso a tensão, os conflitos, e evidenciando ainda mais as diferenças culturais entre os países.  

 

Problemas universais como pobreza, desemprego e violência necessitam de um empenho e interação ainda maior entre as nações para serem resolvidos, e não construindo suas próprias barreiras de isolamento. No entanto, as frustrações são facilmente projetadas nas minorias sociais: imigrantes, negros, gays, deficientes, etc. Tendo sido o racismo praticamente ‘normalizado’ por certos governos.  Mas seria este o caminho para o desenvolvimento mundial?!

 

Por que existe o racismo?

 

A psicóloga Carla Martins, de Londres, explica que “ninguém nasce racista. Não existe um gene que determine a predisposição para odiar ou a para ser fanático. São atitudes e comportamentos aprendidos”. 

 

De acordo com Carla, o ódio por certos grupos étnicos, religiões, política, raças ou orientações sexuais pode se basear em crenças irracionais que levam ao ódio de outras pessoas, bem como aos crimes de ódio. É a crença de que outros “grupos” são inerentemente falhos ou inferiores ou são vistos como uma ameaça. Muitas vezes, esses grupos são desumanizados e deslegitimados, tornando mais fácil odiar.

 

Diversos fatores podem estar por trás do ódio extremo:

Medo:as atitudes de ódio extremo geralmente são baseadas no medo. Elas provêm de mecanismos de sobrevivência primitivos, instinto para evitar o perigo, temer qualquer coisa que pareça ser diferente, o que leva ao medo do outro. Usa-se a crença negativa e exagerada sobre o outro para justificar suas ações numa tentativa de garantir sua própria segurança e sobrevivência.

A necessidade de pertencimento:ironicamente, alguns membros de grupos de ódio são motivados pela necessidade de amor e de pertencer a um grupo, uma necessidade básica de sobrevivência. Para alguns, especialmente para aqueles que têm dificuldade em formar conexões interpessoais genuínas, a identificação com extremistas e grupos de ódio, como neonazistas, é uma forma de se enturmar. 

 

Projeção:a projeção é um dos nossos mecanismos naturais de defesa, e isso nos permite evitar o enfrentamento com as nossas próprias falhas, transferindo ou projetando-as para os outros. As características que as pessoas odeiam sobre os outros são as coisas que mais temem dentro de si mesmas. Ou seja, ‘eu não sou terrível, você é’. O indivíduo que sente o ódio acredita, em algum nível profundo, que essas coisas podem ser verdadeiras sobre ele mesmo.

 

Incompetência emocional:define-se competência emocional como a integração do pensamento, dos sentimentos e do bom julgamento antes da ação. Isso é mais do que pensar antes de agir, é se integrar antes de agir. É entender as origens das emoções negativas, que, como todas as nossas emoções, merecem respeito e cuidado, pois são importantes para o nosso senso de nós mesmos. É justamente aqui que os fanáticos e os ‘haters’ perdem o equilíbrio. É mais fácil acreditar em falácias do que pensar e entender a si mesmo. Muitas vezes, as pessoas engolem a retórica racista e as suposições não ditas sem examinar as questões apresentadas. Elas podem encontrar conforto em uma crença de superioridade e num direito inerente.

 

 

EFEITOS DO RACISMO

 

Segundo a psicóloga Carla Martins, “em uma recente pesquisa norte-americana, que investigou a percepção do racismo e seu impacto na saúde de negros americanos, ressaltou-se que ser vítima de racismo afeta a saúde mental de adultos de tal forma que esta experiência pode ser comparada à vivência de uma situação traumática”.

 

De acorco com Carla,concluiu-se que a somatização (aflição psicológica que se expressa como dor física), sensibilidade interpessoal e ansiedade são respostas comuns ao racismo e ao trauma. Pessoas que foram vítimas de racismo têm também maiores probabilidades de relatarem sofrimento mental no decorrer de suas vidas.

 

Além de desigualdades materiais, o racismo produz marcas psicológicas profundas. Ele pode instalar um processo de ansiedade muito grande, por exemplo. Produz angústia, a depressão, consequentemente pode contribuir para o agravamento de doenças e da saúde mental.

 

COMO SE PROTEGER CONTRA O RACISMO

 

A psicóloga Carla Martins explica que cada um tem seu nível de resistência à frustração. A pessoa que já teve a oportunidade de elaborar outras situações de preconceito, e já entendeu que o problema do racismo está no preconceituoso, e não que ela tenha qualquer característica que merece menos valia, poderá passar por esse tipo de situação com redução no sofrimento.

 

Mas de forma geral, ser vítima de preconceito costuma ser muito doloroso, pois é a rejeição gratuita vinda, na maioria das vezes, por desconhecidos que não sabem o valor do caráter de quem estão ofendendo.O preconceito pode limitar as possibilidades quanto aos relacionamentos de forma geral. Uma pessoa pode perder oportunidades em se relacionar com a outra, seja de forma romântica, por amizade ou profissional, por conta de preconceitos e racismos. Em formas mais intensas o preconceito pode gerar raiva, e esta raiva pode destruir a saúde emocional dessa pessoa, fazendo-a se isolar e acreditar, erroneamente, em sua menos valia, diminuindo assim sua autoestima.

Quando a atitude preconceituosa afetar a autoestima, a ajuda de um psicólogo pode ser muito útil, pois ele pode colaborar para que essa pessoa fique ciente de suas reais qualidades, independentemente do que outras pessoas possam achar.

 

“Melhorar a autoestima ajuda a não se incomodar com o que pensam e fortalece a autopercepção, para que a própria pessoa aplique mudanças, quando e se considerar que deve, mas baseada em suas conclusões e não na opinião do outro” , explica a psicóloga Carla Martins. 

Texto: Jornalista Fabiana Pio

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