Feminist, Sim!

Feminista, sim!

(Ou quando tive meu lâmpejo feminista)

Machismo não existe. Você é branca, de classe média, vive numa bolha confortável. Você não vê nada errado na sociedade. Quando nota que tem menos liberdade que um menino, ainda assim se sente protegida pelo machismo. É para o seu bem e tá bom como tá. A misógina não te incomoda porque diminui ou sexualiza a outra, a puta, a vagabunda, não você, a certinha.

Tem a menina que não dirije porque acha que mulher é barbeira, tem a que não bebe porque acha vulgar mulher bêbada, a que acha um absurdo quem amamenta em público e por aí vai. Tem até quem acuse outra mulher de estar fora de si porque está na TPM, entre outras bobagens socialmente construídas para nos diminuir. Quem nunca agiu assim, já que fomos programadas dessa maneira? Já fui dessas e sigo tendo discussões eternas com mulheres que julgam mulheres e ainda não se deram conta de que quando apontam o dedo pra outra reproduzem e perpetuam o que a sociedade faz com nosso gênero desde o surgimento da agricultura. Socialmente é certo ficar nos autodepreciando. Errado é ser segura.

É assim que funciona e você segue chamando tuas amigas feministas de malucas, paranoicas, chatas.

Até que um dia o lampejo vem. Ele chega para todas, mais cedo ou mais tarde. E quando ele vem, você sente todo o peso da “Homanidade” nas tuas costas. Porque um dia, mulher, é você que vai engravidar e é você que talvez não queira ter o filho e a sociedade vai cagar pra você, vai te chamar de puta e te julgar se você quiser fazer um aborto. E se o pai da criança não quiser assumir tu vai que vai ser humilhada para requerer essa paternidade, vai ser xingada de puta e bancar ser mãe solteira e ser julgada pela sociedade.

Um dia você vai ser demitida porque é mulher, ou vai engolir a seco uma piada grosseira, uma cantada agressiva ou até mesmo uma agressão física. E a partir daí, possivelmente você se dê conta de que sente medo, simplesmente pelo fato de – veja bem – não ter um pinto. Quanto mais você vai observando, mas irá se indignar. O casamento e a maternidade são o laboratório ideal para testar o quanto uma mulher suporta de julgamento da sociedade sobre o que ela deve fazer e como. É para as fortes, não recomendo.

O meu primeiro lampejo aconteceu aos 24 anos. Eu fazia mestrado e estava num assentamento do MST pesquisando as formas de produção emancipatórias. Ainda hoje enxergo genialidade e considero o movimento muito legítimo, mas nunca nunquinha mesmo vou esquecer a forma como os líderes tratavam suas esposas. Elas eram todas bem mais jovens e mal abriam a boca. Pareciam bichinhos acuados. Eu estava com um geólogo no campo e todos colaboraram muito com a gente. Em momento algum senti na pele a discriminação por ser mulher, meu lampejo curiosamente se deu com a dor da outra, daquela mulher jovem e servil sem poder de se expressar. De lá pra cá minha vida mudou muito. Casei, tive filhas, mudei de cidade e mudei de trabalho algumas vezes. Mas, mais que isso, passei a enxergar machismo por todo lado e nunca me calo. O lampejo é o para-brisas do carro num dia chuvoso, ele modifica por completo a forma que vemos o mundo.


E você, já teve o seu? Conta pra gente como foi.


*texto escrito originalmente para a casadamaejoanna.com.

Ana Cardoso.

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