Mulheres gamers: participação feminina ainda esbarra no machismo e preconceito

Esqueça tudo o que você possa imaginar sobre os jogos eletrônicos: eles vão muito além do lazer, e também não são “coisa de homem”. Seja no celular, no computador ou no console, os games fazem parte da rotina de 72% de brasileiros, segundo a Pesquisa Game Brasil (PGB) de 2021. Apesar de ser uma área constantemente reinventada graças aos avanços tecnológicos, o mundo do e-Sports (esportes eletrônicos) ainda é marcado pelo machismo enraizado na sociedade, que desafia o crescimento e a participação feminina neste universo.


Assim como em todas as outras áreas onde a sociedade prega a predominância masculina (como no futebol ou na tecnologia, por exemplo), o mundo dos games é particularmente hostil com o gênero feminino. Apesar disso, a participação de meninas e mulheres gamers neste meio resiste ao machismo, assédio, silenciamento, apagamento e à falta de oportunidades para igualar o jogo e abrir cada vez mais o caminho e o espaço para que a diversidade de gênero também faça parte deste mercado importantíssimo e gigantesco, que movimenta mais de 300 bilhões de dólares, de acordo com números da Accenture.

Não é coisa de menino: onde estão as mulheres gamers?

Ao contrário do que prega o senso comum, as mulheres gamers representam metade dos jogadores brasileiros acima de 12 anos (51,5%, ainda conforme a PGB de 2021). Ainda assim, a participação feminina em jogos multiplayer, nas competições e em carreiras profissionais no universo gamer ainda é pequena. O que explica este afunilamento é o machismo: garotas e mulheres que optam por entrar no universo de jogos eletrônicos encaram assédio e toxicidade ao interagir com homens em salas, fóruns e chats.


A streamer Gabriela Iogi, de 25 anos, relata que, para não estragar o momento de lazer, prefere jogar “offline”, ou seja, sem a participação de outros jogadores: “Já saí de uma partida chorando porque me assediaram terrivelmente, simplesmente por estar usando ‘Gabi’”, relembra. A experiência com a hostilidade de outros jogadores simplesmente por ser mulher é compartilhada por Evelyn Mackus, jornalista e apresentadora de E-Sports, que já chegou a ser expulsa de uma partida após ter o seu gênero “descoberto” por outros participantes.


Em uma indústria onde a violência de gênero ainda é tão presente no dia a dia, é quase impossível para uma mulher se sentir segura, acolhida e respeitada, e a situação se torna ainda mais dramática ao observar os dados, que mostram que este comportamento é uma regra quando falamos de games: em uma pesquisa de mercado feita pela Lenovo, 59% das jogadoras admitiram esconder seu gênero durante as partidas online para evitar o assédio, o que inclui fingir serem do gênero masculino, evitar usarem seus nomes reais ou apelidos “femininos” e também se abster de conversas por voz. Ainda, a maioria das entrevistadas alegou já ter passado por situações inapropriadas, que incluem xingamentos, ameaças, solicitações indesejadas e perseguição.


Tudo isso mostra que o machismo enraizado, normalizado e incentivado na indústria impede que meninas e mulheres se tornem protagonistas do universo gamer: onde jogadoras não são capazes nem mesmo de se sentirem seguras, dificilmente haverá espaço para crescerem e serem respeitadas como os homens. Apesar disso, a participação feminina vem crescendo cada vez mais, fruto de mulheres corajosas que se atrevem a quebrar a hegemonia masculina do E-Sports e exigir o protagonismo, tanto nas salas de partidas, quanto nos cargos profissionais e nas competições.

Machismo nos jogos online: das salas de partida ao quadro de funcionários


Este cenário não se resume apenas à hora da partida. Mulheres que optam por seguir a carreira na indústria também sentem que o machismo e a violência de gênero são estruturais na hora de trilhar um caminho profissional na indústria de videogames: “Coisas bizarras já aconteceram comigo. Já fui desrespeitada ao entrevistar jogadores e já perdi oportunidades apenas por ser mulher”, compartilha a jornalista Evelyn Mackus, que trabalha com a cobertura de competições de E-Sports. Gabriela Iogi, streamer e influenciadora digital, desabafa sobre as dificuldades em crescer profissionalmente sendo uma mulher no mundo dos jogos digitais: “Homens que fazem o mesmo trabalho que eu são mais respeitados, com acesso a mais oportunidades, sinto que preciso trabalhar três vezes mais para conseguir prosperar”, compartilha.


Apesar do cenário marcado pelo machismo, mulheres como Evelyn e Gabriela representam uma tendência que desafia o preconceito e exige uma mudança na narrativa: “São pouquíssimas as mulheres inseridas na indústria, precisamos aumentar esse número urgentemente”, urge Gabriela, que trabalha com a transmissão de jogabilidade ao vivo. A participação feminina é essencial, não apenas como jogadoras, casuais ou profissionais, mas também na criação, desenvolvimento, produção e comunicação dos jogos: “Nos últimos anos, com tantas mulheres ocupando estes espaços, alcançamos muitas conquistas, mas ainda precisamos nos empenhar em criar um espaço seguro para mulheres, onde machistas não são bem-vindos”.


Além do desejo de que a indústria dos jogos seja acolhedora e promissora para gênero feminino, há também a vontade de que o simples ato de jogar seja prazeroso e seguro para as mulheres gamers: afinal, como aproveitar o seu hobby quando o seu tempo de lazer também inclui a violência de gênero?

“O desejo é de que estar inserida no mundo dos jogos seja leve, simples e mais natural, assim como jogar videogame é”, pede Gabriela. Também para Evelyn, o desejo é simples: “Gostaria que ser gamer, e também trabalhar com isso, fosse tão simples e normal quanto é para um homem”, resume.




Escrito por: Talitha Benjamin / https://universo.salonline.com.br/mulheres-gamers/




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