NO RIO EM QUE ME CRIEI
NO RIO EM QUE ME CRIEI
Texto poético de Márcia Wayna Kambeba
No rio me que me criei
Não consigo mais nadar.
Barragens e construções
Me impedem de respirar.
No rio em que me criei
Não consigo mais andar.
Jogaram veneno na água,
Como ensinar meu filho a pescar?
Quero um abraço, tenho frio.
Mas onde estão os encantados?
Sumiram. Só restou Yara mãe d’água,
Sentada na beira abraçada com o rio.
Sou indígena e não invasor,
Meus pés esse solo conhece bem.
Quero viver na terra dos ancestrais,
E ver meu povo manter seus rituais.
Cadê o olho d’água? O prédio aterrou.
Secou a nascente com sede estou.
Beber água está cada dia pior.
Poluição e produtos químicos
Adoeceram o jabuti,
Agonizou e definhou.
Jogaram canudinhos no rio
O tucunaré desavisado e faminto
Ao engolir se engasgou.
São ações do progresso.
Aos homens de gravata é um sucesso.
São retratos de uma dor.
Pelas barragens a aldeia se mudou.
Apodreceram os animais,
Árvores mortas sem cor,
Pássaros cantaram tristes,
Um lamento de pavor.
O que será do amanhã?
Não sei. Mas resistiremos ao trator.