A Imprevisibilidade da Vida.

A Imprevisibilidade   nas horas, nos minutos, nos segundos…

“Somos insignificantes. Por mais que você programe sua vida, a qualquer momento tudo pode mudar”. (Ayrton Senna)

Estamos vivenciando um momento único. Goste você ou não, a Copa do Mundo é este momento. Povos dos 5 continentes estão reunidos num mesmo local experienciando os mesmos sentimentos e emoções. Tudo pode acontecer naqueles incríveis e imprevisíveis 90 minutos e, antes que o juiz sopre seu apito sentenciando o fim, tudo pode acontecer.

Assim como não sabemos quem será o campeão, também não sabemos quando soará para nós o apito final. Afinal, a vida é permeada pela imprevisibilidade e pela impermanência. Neste sentido, lembrei-me de uma crônica interessantíssima da escritora Martha Medeiros em que ela compara a morte a uma piada. A crônica foi escrita por ocasião da morte do humorista Bussunda. Ele morreu de ataque cardíaco em plena Copa do Mundo de 2006 na Alemanha, onde estava trabalhando como comentarista.

A Morte é uma Piada
Texto escrito por: Martha Medeiros

“Assisti algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus depoimentos. Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena. Mas nada acontecia ali de risível, era só dor e perplexidade, que é mesmo o que a morte causa em todos os que ficam. A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro: a morte, por si só, é uma piada pronta. Morrer é ridículo.

Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?

Não sei de onde tiraram esta ideia: morrer. A troco? Você passou mais de dez anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente. De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis. Qual é?

Morrer é um chiste. Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida. Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.

Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã. Se faz check-up regularmente e não possui vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério? […].

Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que essa não tem graça nenhuma”.

(Publicado em: Livro Doidas e Santas em 21.06.2006)

Esta crônica, de uma forma bem humorada, nos faz refletir o quão efêmera é a vida. E que a linha imaginária que separa a vida da morte é muito tenue, muito frágil. Por isso, seria interessante nos apropriarmos da ideia de que somos mortais e de que a vida acontece no agora. Nesta partida entre vida e morte dificilmente haverá prorrogação, e quando o apito final soar você terá que sair de campo.

Nazaré Jacobucci
Psicóloga Especialista em Luto
Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC)
http://www.perdaseluto.com

Referências:
Medeiros, Martha. A morte é uma piada. In:___. Doidas e Santas. 33º ed. Porto Alegre: L&PM, 2012. p. 82-83.

 

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