Noites em branco: Como a menopausa afeta o sono da mulher?
O sono é um dos pilares fundamentais da nossa saúde, e dormir bem é meio caminho andado para nos sentirmos bem. Mas foi ao aprofundar o tema da menopausa que percebi o quanto este aspecto (ainda tantas vezes desvalorizado), pode impactar o nosso bem-estar físico e emocional.
As alterações do sono são muito comuns nesta fase, mas isso não significa que as tenhamos de aceitar sem procurar ajuda.
Neste artigo, o Dr. Miguel Miranda, médico neurologista na Unidade Funcional de Neurologia do Hospital de Cascais, explica de forma clara por que é que o sono pode piorar durante a menopausa e, sobretudo, o que podemos fazer para melhorar.
Dr. Miguel Miranda: A menopausa é uma fase de transformação profunda no corpo feminino – e o sono, tantas vezes nosso refúgio de descanso e recuperação, pode tornar-se um dos primeiros aspetos a sofrer.
Se tem sentido dificuldade em adormecer, acorda várias vezes durante a noite ou se se levanta já cansada, não está sozinha. Os estudos mostram que entre 40 a 69% das mulheres na menopausa experienciam problemas de sono. É algo muito frequente, mas que não deve ser normalizado – há causas, explicações e, felizmente, soluções.
Sono e menopausa: qual a relação?
O sono depende de um delicado equilíbrio hormonal. Durante a menopausa, esse equilíbrio é alterado. Por um lado, existe uma diminuição do estrogénio, uma hormona que, entre outros papeis, tem como função a regulação da temperatura corporal e promoção do sono profundo (sono NREM). Por outro lado, existe também uma diminuição da progesterona, uma hormona conhecida pelo seu efeito sedativo e ansiolítico natural.
Os vilões do sono na menopausa
INSÓNIA: Os estudos populacionais sugerem que cerca de 10% da população mundial sofra de insónia crónica, sendo frequentes as mulheres na menopausa que reportam dificuldade em adormecer ou em voltar a dormir após despertarem a meio da noite. Acreditamos que a insónia crónica possa resultar de uma conjugação de fatores predisponentes (como alterações hormonais ou depressão prévia), fatores precipitantes (como dor, stress, afrontamentos, outras doenças do sono) e fatores perpetuantes (como má higiene do sono e alterações do humor).
A boa notícia? Existem tratamentos eficazes. E não, a resposta não passa necessariamente por medicamentos. A terapia cognitivo-comportamental para a insónia (CBT-I) é considerada a primeira linha terapêutica, sendo inclusive eficaz na melhoria da qualidade do sono em mulheres com afrontamentos incomodativos.
AFRONTAMENTOS: Cerca de 80% das mulheres na menopausa apresenta sintomas vasomotores, que parecem ser responsáveis por um terço dos seus despertares noturnos, causando fragmentação do sono.
APNEIA DO SONO: Embora mais associada aos homens, a apneia do sono pode afetar cerca de 20% das mulheres na menopausa, estando intimamente relacionada com um aumento do risco de doenças cardiovasculares.
O diagnóstico da apneia obstrutiva do sono na mulher é mais difícil. Até 40% das mulheres com apneia moderada-grave não apresenta sintomas clássicos de apneia (como ressonar, apneias presenciadas pelo marido ou sonolência diurna excessiva). Pelo contrário, sintomas como insónia, dores de cabeça, alterações do humor, pesadelos e palpitações podem levar a este diagnóstico.
Existem, inclusive, alguns estudos curiosos que sugerem que a mulher tem mais probabilidade de se deslocar sozinha a uma consulta de Medicina do Sono, deixando o marido em casa, na sala de espera ou no carro. Na consulta do Sono, a informação do companheiro sobre aquilo que acontece enquanto dormimos é particularmente importante para chegarmos a um diagnóstico correto e atempado.
SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS: Esta é provavelmente uma das doenças neurológicas do sono mais frequentes e mais subdiagnosticadas. Acreditamos que até um terço das grávidas no 3ºtrimestre e até um quarto das mulheres na menopausa sofra desta síndrome. Carateriza-se por uma vontade incontrolável de mover as pernas, especialmente à noite, podendo dificultar o início do sono. Existem vários tratamentos eficazes, sendo importante realizar análises para descartar défice de ferro.
NOCTÚRIA: Cerca de 60% das pessoas acima dos 60 anos levanta-se duas a três vezes durante a noite para ir à casa-de-banho. Isto não é normal! Atualmente reconhece-se que este fenómeno (conhecido na gíria médica por noctúria) é um importante fator de risco cardiovascular, estando associado a perda de qualidade de vida e aumento da mortalidade cardiovascular. As causas de noctúria são várias e o diagnóstico diferencial torna-se mais amplo na menopausa, onde se reúnem vários fatores (como a atrofia da vagina, a bexiga hiperativa e maior prevalência de apneia do sono) que devem ser diagnosticados e tratados.
O que podemos fazer para dormir melhor?
Embora os desafios sejam reais, há muito que pode fazer para recuperar noites mais tranquilas:
Melhore a sua higiene do sono: evite cafeína e álcool nas horas que antecedem o sono; crie uma rotina regular para dormir e acordar; mantenha o quarto escuro, silencioso e com uma temperatura confortável; utilize o quarto apenas para dormir e para atividade sexual (Televisão, veja na sala!)
Exercícios de relaxamento, meditação ou yoga podem ajudá-la a adormecer mais facilmente e reduzir os seus despertares noturnos.
Pratique exercício físico (sobretudo aeróbico) de forma regular. O exercício melhora a qualidade do sono e regula o humor, mas evite fazê-lo perto da hora de dormir.
Se os seus sintomas persistirem, procure ajuda numa consulta de Medicina do Sono.
Dr. Miguel Miranda, Neurologista na Unidade Funcional de Neurologia do Hospital de Cascais
Dormir bem não é um luxo e devia ser a regra, não a exceção.
Espero que este artigo te tenha ajudado a perceber melhor o que está a acontecer no teu corpo e que te motive a procurar apoio, se precisares. Hoje em dia, existem consultas de sono disponíveis em hospitais públicos, privados e clínicas, conduzidas por médicos de várias especialidades com competência em Medicina do Sono. Estes profissionais podem ajudar a fazer um diagnóstico correto e a encontrar o tratamento mais adequado para ti.
Mereces descansar bem!