O empreendedorismo é contagioso

Algumas ideias nos negócios refletem imagens mais vívidas de um individualismo ousado do que o empreendedor faça-você-mesmo. Empreendedores vão sozinhos, a mitologia insiste. Eles são rebeldes, contrariam o sistema. A imagem é irresistivelmente romântica e profundamente enraizada. Também é completamente equivocada.

Temos provas de que o empreendedorismo mais vibrante é desenvolvido por empreendedores de alto impacto que operam em redes coesas, auxiliando companheiros tomadores de riscos e trocando know-how, capital e amor incondicional. Nós mapeamos essa polinização cruzada entre as gerações e continentes. E nós fizemos isso não olhando para as comunidades mais óbvias, como o Vale do Silício, mas em alguns dos terrenos mais inférteis, quando se fala em inovação.

Há anos, acadêmicos e estrategistas concordaram que o empreendedorismo impulsiona o desenvolvimento econômico, a inovação e a criação de emprego.

No entanto, frequentemente, as iniciativas lideradas pelo governo produzem resultados de baixa abrangência. Nós já vimos isso em Kuala Lumpur, onde o projeto BioValley, de US$150 milhões de dólares, rendeu apenas um punhado de empresas de biotecnologia. Em Moscou, organizadores gastaram US$2 bilhões, sem sair com uma startup de grande sucesso. Mesmo Santiago, conhecida por seu programa Startup Chile, colocou US$40 milhões em mais de 800 startups – isso para ter quase 80% delas saindo de lá para pastos mais verdes, em lugares como o Vale do Silício e Nova Iorque.

O problema em todos esses casos: não havia uma rede local em que startups crescessem de forma escalável, em que scale-ups fossem bem sucedidas e em que empreendedores de sucesso infectassem a próxima geração com o vírus do empreendedorismo.

Desde 1997, a Endeavor, uma organização sem fins lucrativos na área de empreendedorismo de alto impacto, tem trabalhado com sucesso para gerar “ecossistemas empreendedores” ao redor do mundo. Com escritórios em 25 países, a Endeavor identifica, seleciona e mentora empreendedores com as maiores ideias, o potencial mais provável para construir empresas que fazem a diferença e uma grande capacidade de inspirar os outros.A Endeavor foca nesse grupo de “alto impacto” porque acredita que, se você lhes der a mistura certa de apoio, incentivo e amor empreendedor, eles podem atuar como multiplicadores, tornando-se referências, mentores e investidores que constroem um ecossistema local de empreendedores a partir do zero.

Mais de 1.000 empreendedores da Endeavor pelo mundo criaram mais de 500.000 postos de trabalho a nível global, gerando US$8 bilhões de dólares em receitas anuais e devolvendo tudo que aprenderam para as cidades onde começaram. Eles conseguiram construir ecossistemas vibrantes em alguns dos ambientes de negócios mais inóspitos do mundo.

Para entender melhor como funciona essa dinâmica, a Endeavor Global fez parceria com a Bain & Company para estudar a multiplicação do efeito em três mercados desafiadores: Buenos Aires, Istanbul e Cidade do México. A pesquisa apoia o que vemos há muito tempo: as redes de empreendedores não começam com facilidades brilhantes ou garantias do governo, nem surgem espontaneamente das empresas de sucesso.

Em vez disso, alguns fundadores pioneiros obtêm o suporte que precisam na crítica fase inicial de seu desenvolvimento e, em seguida, disseminam ativamente o empreendedorismo por meio de mentorias, inspirando e investindo nas próximas gerações de empreendedores. Esses fundadores não são darwinianos, sobrevivendo à custa de outros. Eles vêem a colaboração inter-empresarial como algo bom para seus negócios e para o ecossistema.

Paciente Zero

Considere o que aconteceu em Buenos Aires, em meio a uma história de luta econômica e política. No início de 1990, quando Wences Casares se mudou para lá, a cidade era um deserto para startups. Wences, filho de um criador de ovelhas da Patagônia, já tinha se envolvido com negócios quando adolescente, começando uma empresa de camisetas e imprimindo um diretório de telefones. Na faculdade, ele teve a ideia de começar uma corretora online chamada Patagon.com. Trinta e três investidores locais recusaram. “Nós nem sequer temos um mercado de ações em funcionamento”, ele disseram. Ele abandonou o curso e lançou a empresa mesmo assim.

Chegamos a pensar em Wences como o paciente zero na disseminação do empreendedorismo, na Argentina. Apesar de entrar nos negócios em 1997, ele conheceu outros vivendo essa estranha paixão. Entre eles, Andy Freire e Santiago Bilinkis, ex-funcionários da Procter & Gamble, que fundaram uma empresa de fornecimento online para escritóriochamado Officenet. Não muito tempo depois, dois MBAs de Stanford, Marcos Galperin e Hernán Kazah, voltaram ao país para formar o Mercado Livre, um varejo online semelhante ao eBay.

Esses dois (então) novatos criaram uma rede de apoio informal – um terreno fértil para o empreendedorismo – alimentada por informações compartilhadas, competição, coinvestimento e a convicção de que eles eram realmente pioneiros. Essa rede foi reforçada por uma nova rede de líderes locais e mentores externos, reunidos pela Endeavor. Mesmo com esse apoio, os jovens fundadores ainda se sentiam incompreendidos. Bilinkis nos disse: “Quando Andy e eu decidimos nos tornar empreendedores, a palavra “empreendedor” não existia na Argentina”.

A partir disso, uma febre de empreendedorismo tomou Buenos Aires, alimentada, na maior parte, pelo sucesso dessas três empresas. No período de alguns anos, Wences vendeu a Patagon para o Banco Santander por US$750 milhões de dólares; a Officenet foi vendida para a Staples; e o Mercado Livre se tornou pública na NASDAQ, atingindo uma capitalização de US$5,5 bilhões no mercado, em 2014. Hoje, Buenos Aires está no meio de uma epidemia de empreendedorismo.

Duas décadas depois que Mercado Livre, Patagon, e Officenet tiveram seu início, a cidade se tornou o principal centro para o empreendedorismo em tecnologia da América Latina de língua espanhola. Essas três empresas têm influenciado mais de 200 empresas da segunda, terceira e quarta geração depois delas. Seus fundadores lançaram novas empresas, fundos de capital de risco, e até mesmo um programa de TV bem popular sobre empreendedorismo, “El Emprendedor del Millón”.

Considerando que os empresários argentinos uma vez se sentiram isolados e inseguros, agora qualquer pessoa com um sonho pode entrar em um ecossistema próspero de apoio. Há conferências e bares onde fundadores se reúnem, clubes de dança onde eles se misturam e até mesmo um campeonato de futebol, em que cada equipe tem o nome de uma startup. Empreendedorismo se tornou uma obsessão nacional.

Empreendedorismo é contagioso!

Como isso aconteceu? Para descobrir, a Endeavor Global e a Bain entrevistaram ​​mais de 200 empreendedores argentinos (alguns de relação com a Endeavor, outros não) e fizeram algumas perguntas, incluindo: “Quem te inspirou? Quem investiu na sua empresa? E quem te mentorou?”.

Nós, então, seguimos com dezenas de entrevistas detalhadas para identificar maneiras específicas em que os empreendedores se beneficiaram ou ofereceram assistência a outros.

Descobrimos que quase 80% das empresas de tecnologia de hoje, em Buenos Aires, traçam suas raízes a partir da Patagon, Officenet e MercadoLibre. Consideramos esses empreendedores de primeira geração os super-portadores do vírus do empreendedorismo. Enquanto suas empresas foram bem sucedidas individualmente, eles exerceram seu maior impacto sobre a rede mentorando novos empreendedores, investindo capital nas empresas, fornecendo talentos experientes e iniciando novos empreendimentos. Nossos resultados mostram que, de 1990 a 2006, o número de startups de tecnologia na capital argentina cresceu 5% ao ano. Mas ao longo dos cinco anos que passaram, essa taxa aumentou para 20% ao ano.

A melhor maneira de visualizar esse fenômeno é em um mapa rede social (veja na imagem abaixo). As bolhas representam as empresas e as setas multicoloridas representam diferentes tipos de conexões. Nós colocamos empresas em uma série de círculos, segundo o seu ano de fundação. O tamanho de cada bolha corresponde ao número de ligações que a empresa fez. Quanto maior a bolha de uma organização, mais influência o negócio e seus fundadores tiveram no restante da rede.

O papel que esses super-portadores desempenham na criação e aceleração do crescimento de um ecossistema empreendedor não é exclusivo de Buenos Aires. Repetimos nossa análise em Istambul e na Cidade do México e os resultados foram essencialmente os mesmos – alguns empresários bem-sucedidos inspirando os outros e o efeito se multiplica ao longo do tempo.

Em seguida, realizamos 700 entrevistas, em Nova Iorque, para ver se o fenômeno é transferido para as economias mais maduras. Começando com pioneiros, como a DoubleClick, as conexões não dispararam entre 2003 e 2013, alimentando uma explosão significativa na atividade das startups. Hoje, mais de 2.000 empresas de tecnologia em Nova Iorque atraíram US$14 bilhões em investimentos e empregam 53.000 pessoas.

FONTE: https://revistapegn.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2016/03/o-empreendedorismo-e-contagioso.html

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