Administrar comportamento humano em contextos organizacionais
RESUMO
Administrar comportamento humano implica em administrar aquilo que as pessoas fazem como participantes das organizações, sendo justamente por meio das ações que é possível formular e atingir objetivos organizacionais. Administrar pessoas em contextos de trabalho significa controlar os fatores que interferem nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, no sentido de identificar as melhores condições para cada tipo de atividade, as competências necessárias a serem desenvolvidas, os fatores que motivam os trabalhadores, os recursos e as estruturas necessários para a execução das atividades. Existe diferença entre controlar comportamentos e controlar as variáveis que interferem na ocorrência de comportamentos. Controlar variáveis implica em criar um ambiente que favoreça a ocorrência das ações necessárias para a consecução dos objetivos organizacionais. Este artigo pretende apontar alguns aspectos críticos relacionados ao que vem sendo feito atualmente pelas organizações em termos de gestão de pessoas. É possível perceber a ocorrência de avanços teóricos em termos de administração de pessoas. No entanto, algumas pesquisas mostram que a prática não manifesta a incorporação destes avanços. Administrar o comportamento das pessoas nas organizações por meio da formulação de objetivos que explicitem ações contextualizadas - especificando as situações nas quais as ações irão ocorrer e o modo como devem ocorrer, bem como os resultados desejados parece ser uma forma alternativa de discutir modos de gestão.
1. Análise sistêmica do comportamento humano
Administrar comportamento humano em contextos organizacionais Administrar pessoas significa administrar comportamentos. E, para administrar comportamentos humanos, é necessário compreender que eles ocorrem em um determinado contexto, com determinadas características que, se não adequadamente identificadas, podem dificultar ou inviabilizar modificações nas formas como as pessoas agem. Se não há clareza de que as pessoas são fortemente influenciadas pelas situações que ocorrem nos ambientes nos quais estão inseridas, muitos esforços de profissionais tais como administradores, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, estão fadados ao fracasso. Muitas tentativas de modificar os comportamentos das pessoas no trabalho podem ser inúteis se os gestores não incluírem nessas tentativas de modificação, também, aspectos do ambiente organizacional.
Analisar aspectos ambientais significa compreender que a organização é um sistema de relações, inserido em um sistema maior, constituído por vários subsistemas. A partir disso, é preciso considerar que acontecimentos econômicos, sociais, culturais, políticos podem alterar as condições de existência e de funcionamento da própria organização. A organização não é um sistema fechado, que funciona isolado do ambiente, por si mesmo. Ao contrário, é um sistema que sofre influências, em diferentes graus e tipos, de vários outros sistemas. A visão sistêmica desenvolveu-se a partir da compreensão da ocorrência da multideterminação dos eventos na natureza e parece ser perspectiva essencial para que as organizações possam cumprir o papel ao qual se propõem. Administrar comportamentos humanos à luz da visão sistêmica parece ser uma alternativa para a sobrevivência das organizações. Nesse sentido, o que significa administrar comportamentos humanos? Que relação há entre a visão sistêmica e o comportamento humano? De que forma esses aspectos se relacionam com a gestão organizacional.
2. Fenômeno organizacional: constituição e contextualização
A administração faz uso do conhecimento produzido por diversas ciências para explicar os fenômenos organizacionais. A psicologia, a sociologia, a antropologia, a economia, entre outras áreas de conhecimento, fundamentam as teorias administrativas ao buscarem criar práticas para administrar recursos e pessoas.
Morgan (1996), ao buscar compreender o fenômeno organizacional, afirma que é difícil saber realmente o que as organizações são. Por meio de metáforas, examina as organizações de diferentes maneiras (como máquinas, culturas, cérebros, sistemas políticos, prisões psíquicas, instrumentos de dominação, fluxo e transformação), podendo ser enfatizadas diferentes dimensões (estrutural, técnica, política, humanas, cultural etc), que por sua vez, mesmo quando estudadas de forma isolada, estarão sempre interligadas. Ainda de acordo com Morgan, "o modo de encarar o fenômeno transforma a compreensão da natureza do fenômeno" (1996:346). Isso significa que a forma como são estudados os fenômenos organizacionais pode possibilitar sua visualização e compreensão sob diferentes perspectivas e, até mesmo, permitir a descoberta de significados paradoxais. No entanto, independente da forma como as organizações serão compreendidas, é preciso considerar que são estruturas constituídas por regras, políticas, objetivos, missões, funções, procedimentos que estão presentes nas mentes de seus membros e que são socialmente construídas (Zanelli, 2001).
As organizações são comumente reconhecidas a partir de sua estrutura física, o que demonstra uma concepção reducionista, à medida que desconsidera outros aspectos fundamentais presentes na sua construção. Apesar de várias teorias demonstrarem a importância de considerar aspectos tais como as relações sociais e o contexto histórico como definidores das organizações1, a estrutura física, as tecnologias e os procedimentos ainda parecem ser muito disseminados como aspectos definidores de uma organização. As próprias características básicas apresentadas por quaisquer tipos de organizações demonstram o processo de construção social na sua constituição e no seu funcionamento. Independente de serem formais ou informais da estrutura ou do ramo de atuação (natureza),as organizações são orientadas para a consecução de objetivos específicos sendo que, para isso, é necessário administrar os recursos disponíveis, criar condições favoráveis, coordenar os esforços dos indivíduos, a fim de que converjam criando, preservando e transmitindo valores, crenças, regras, rituais etc. (Etzioni, 1973; Stoner e Freeman, 1985; Zanelli, 2001). Administrar organizações implica em administrar visões compartilhadas entre os membros que as compõem e que sustentam sua estrutura.
A partir da idéia de que a visão compartilhada pelas pessoas resulta das interações humanas, segundo Zanelli (2001) é possível dizer que o indivíduo é produto e ao mesmo tempo produtor dos sistemas sociais nos quais está inserido. De acordo com este autor, tal concepção de organização está baseada num processo construído socialmente e a partir das interações humanas. Seguindo essa concepção, é possível considerar que as organizações são construídas de forma intencional por um indivíduo ou um grupo de pessoas que compartilham interesses, valores, experiências e que buscam atingir objetivos predeterminados. O que sustenta toda essa estrutura, criada a partir das visualizações e aspirações de seus fundadores, são ações humanas direcionadas para objetivos comuns. É importante salientar o fato de as gestões administrativas, geralmente, estarem mais direcionadas para modificar as estruturas organizacionais do que para observar e modificar as ações das pessoas que compõem a organização. Tais estruturas são concebidas como se fossem centrais e bases para "o bom funcionamento organizacional". São desconsiderados, assim, aspectos importantes, tais como os comportamentos das pessoas constituintes de uma organização. Ainda que a estrutura organizacional forneça condições favoráveis às ações humanas necessárias à consecução dos objetivos organizacionais, se não for observado o que as pessoas fazem na organização, a própria mudança na estrutura organizacional poderá ser inútil.
Conforme Etzioni (1973), as sociedades ocidentais contemporâneas podem ser consideradas sociedades organizacionais, pois o fenômeno organizacional está presente em todas as situações de vida de um indivíduo. As organizações são mediadoras das relações que os seres humanos estabelecem com o seu meio, à medida que configuram determinados tipos de relações econômicas, tecnológicas, sociais, culturais. As organizações complexas representam um dos elementos mais importantes no contexto social das sociedades modernas (Etzioni, 1973). As pessoas nascem em hospitais, são educadas em escolas, trabalham em uma ou outra organização, professam determinada religião. De modo geral, as pessoas obtêm grande parte de sua satisfação material, social e cultural, de organizações.
Compreender o comportamento do homem moderno implica em estudar as influências das organizações, já que, na maioria das vezes, é a partir das e nas organizações que o homem se comporta.
3. O que significa administrar comportamento humano?
O fazer humano tem sido objeto de preocupação há séculos. Durante muito tempo, grande parte desse fazer foi considerado demoníaco e, mesmo atualmente, ainda pode ser percebido por meio de uma série de preconceitos. Em Psicologia, o fazer humano é denominado comportamento. O comportamento das pessoas é objeto de estudo científico, tanto quanto é um fenômeno cotidiano na existência de todas as pessoas.
O fato de lidar a maior parte do tempo com o fenômeno comportamento pode fazer com que, muitas vezes, as pessoas pensem saber muito a respeito. Porém, o fato de viver o tempo todo com esse fenômeno não o torna, necessariamente, conhecido e facilmente compreensível. Ao contrário, o que tem se visto, não somente no senso comum, mas inclusive no âmbito da ciência, são confusões acerca de sua conceituação e do uso feito desse conceito.
De acordo com Botomé [...]é importante lembrar que as relações que constituem o comportamento não são simples como os verbos que as nomeiam podem levar a pensar" (2001:699). Os verbos que nomeiam as relações entre o que o organismo faz e o ambiente em que o faz encobrem muito do que acontece, disseminando a crença de que o comportamento é um fenômeno simples e facilmente identificável. O comportamento pode variar conforme a situação na qual ocorre, bem como de acordo com determinadas propriedades da ação. Assim, por exemplo, não é possível dizer que o gerente está motivando seus funcionários por meio de um aumento salarial se, após tal aumento, os funcionários mantiverem o mesmo grau de disposição que apresentavam antes desse aumento.
Dessa forma, só é possível compreender o comportamento a partir das relações estabelecidas entre as ações de uma pessoa e o ambiente que existe antes, bem como o que passa a existir após tais ações - mesmo que o ambiente não seja resultado direto de tais ações. Para que seja possível dizer que um aumento salarial motiva os funcionários é preciso observar o que acontece com eles após a ocorrência do aumento. Caso eles mantenham o mesmo grau de motivação ou caso ocorram graus maiores de motivação apenas momentaneamente (por alguns dias ou meses), não é possível dizer que o aumento de salário é um fator responsável pelo aumento da motivação dos funcionários em questão. Compreender determinado comportamento significa, então, contextualizar as ações a partir do meio no qual ocorrem. Ou seja, é preciso observar o ambiente que antecede as ações, bem como o que as sucedem para que seja possível determinar qual o comportamento que está ocorrendo. Vale ressaltar que quanto mais complexo for o organismo, mais sutis e complexas podem ser as relações que ele estabelece com o seu meio. No Caso do ser humano, tais relações podem ocorrer a partir de elementos muito complexos que precisam ser descritos para que os comportamentos possam ser compreendidos.
Botomé ainda afirma que "[...] o organismo (ou o ser) humano age sob controle (ou sob "influência", se o eufemismo assustar menos!) das contingências (condições ou características) que constituem o ambiente onde esse organismo vive e age" (1996: 177). Se as ações dos seres humanos decorrem, em grande parte, das condições que o meio lhes proporciona, de que forma o comportamento das pessoas pode ser administrado nas organizações? O que significa administrar comportamento humano? Como compreender e lidar com o comportamento das pessoas nos ambientes organizacionais?
Administrar comportamento humano implica em administrar aquilo que a pessoa faz como participante da organização. Para administrar comportamento humano, a ênfase não pode ser restrita às ações de uma pessoa, mas sobre o ambiente no qual ela se comporta, pois é o ambiente que precisa ser identificado e alterado. É preciso fazer um diagnóstico das relações entre as variáveis envolvidas na situação que se quer modificar antes de planejar procedimentos ou escolher técnicas de intervenção. A não identificação das variáveis envolvidas na situação pode fazer com que as modificações não sejam efetivas, pois dessa forma não são alterados os aspectos essenciais envolvidos na produção daquela situação. Em muitos casos, as pessoas são responsabilizadas pela reprodução de determinadas situações indesejáveis quando, na verdade, o que ocorre é a existência de um ambiente que propicia e, muitas vezes, induz, à reprodução de tal situação. Dessa forma, administrar o comportamento das pessoas implica considerar, também, o contexto no qual determinado comportamento ocorre já que as pessoas agem, o tempo todo, em um meio: composto por uma situação que existia antes da pessoa agir e uma situação que passa a existir após tais ações.
Existem alguns aspectos básicos que devem ser considerados para que seja possível administrar comportamento humano nas organizações. O primeiro deles relaciona-se a conceber o comportamento humano como produtor de alterações na natureza. Os seres humanos atuam sobre o ambiente no qual vivem, transformando-o e transformando a si mesmos (o que significa dizer que eles não são estáticos ou imutáveis). O segundo aspecto relaciona-se à identificação das variáveis relacionadas à determinação dessas ações. As ações são multideterminadas, sendo que há múltiplas variáveis com possibilidade de determinar sua ocorrência (Botomé e Santos, 1983:13).
Superar a crença de que as principais variáveis determinantes do comportamento são internas e identificar as variáveisambientais mais significativas para alterar o comportamento, constituem o terceiro aspecto básico para administrar comportamento humano. Os seres humanos se comportam para além de seus desejos ou vontades internas. Seus comportamentos têm estreita relação com o meio no qual estão inseridos. Sendo assim, é possível considerar que os seres humanos atuam a partir de uma determinada história pessoal, bem como a partir de um contexto, composto por inúmeras variáveis, como o ambientesocial, econômico, cultural, político.
A partir desses aspectos, a modificação do comportamento humano pode ser considerada em função da mudança das condições nas quais age cada ser humano. Essas condições, quando consideradas no ambiente organizacional, envolvem fatores tais como hábitos, valores, crenças das pessoas que constituem a organização, tipos de relações estabelecidas no ambiente de trabalho, normas e procedimentos organizacionais, entre outros. É importante considerar que, mesmo sendo criadas novas condições para os seres humanos se comportarem, a percepção das novas condições pode ocorrer lentamente, exigindo paciência e compreensão dos que esperam e planejam modificações de comportamento. Obter conhecimento a respeito de quais variáveis interferem no conjunto de comportamentos das pessoas (características dos componentes e das relações que determinam tais comportamentos) parece um aspecto essencial para identificar quais variáveis podem propiciar as mudanças necessárias de comportamento.
Identificar os objetivos organizacionais torna mais fácil indicar que comportamentos são necessários para atingi-los. Inicialmente, parece imprescindível que as organizações definam claramente seus objetivos para que seja possível identificar os comportamentos que as pessoas devem apresentar para haver convergência com os objetivos organizacionais. Tal como diz o ditado popular "não há vento favorável para quem não sabe a que porto se dirigir". Depois de especificados os objetivos e identificados os comportamentos necessários para a sua consecução, é possível planejar ambientes que propiciem a ocorrência de tais comportamentos, a partir do pressuposto básico de que as pessoas agem, em grande parte, em função do ambiente no qual estão inseridas, lembrando sempre que tal ambiente é composto, em última instância, por múltiplas variáveis.
Lidar com o comportamento humano em uma organização significa levar em conta as complexas relações entre variáveis existentes: recursos disponíveís (conhecimento, experiências, habilidades, tecnologias); cultura organizacional; gestão administrativa; características estruturais (grau de burocratização, hierarquização, distribuição de poder). Pretender a mudança de um comportamento antes de examinar e identificar as relações com as demais variáveis, é arriscar-se a desenvolver procedimentos sem a garantia de resultados significativos ou duradouros, visto que as contingências podem se manifestar contrariamente à manutenção do comportamento de interesse.
4. Administrar comportamento humano a partir de uma visão sistêmica
O desenvolvimento de ações estratégicas passou a ser reconhecido por estudiosos de administração como um importante meio para alcançar objetivos organizacionais e promover mudanças. Tais estratégias eram aplicadas, num passado remoto, por generais que lideravam exércitos a fim de definir padrões de ações antecipadas ou em respostas ao inimigo. No entanto, apenas na década de sessenta é que o reconhe-cimento da elaboração de estratégias como meio de administrar o comportamento humano passou a ser uma imposição do meio externo às organizações. Tal meio constituía-se por transformações nas formas de comercialização (as quais, com a globalização, sofreram grandes transformações); nas relações entre empregados e empregadores; na economia, na política; exigindo das organizações novos instrumentos e procedimentos de administração para mantê-las atuando num mercado altamente competitivo. Nesse sentido, é possível notar que mudanças no ambiente externo às organizações exerceram grande pressão sobre elas, introduzindo a necessidade de transformação das próprias formas de atuação para que elas pudessem se manter num ambiente que foi se tornando cada vez mais exigente e competitivo. Com isso, o enfoque estratégico foi constituindo uma forma de administrar cada vez mais sofisticada, a qual compreendia a definição de objetivos básicos a longo prazo, bem como a definição de ações e de recursos necessários para que tais objetivos fossem alcançados. Nesse sentido, o enfoque estratégico foi se tornando uma forma de as organizações coordenarem os esforços das pessoas e de introduzirem as mudanças necessárias em direção aos objetivos organizacionais.
A partir do final da década de trinta e início da década de quarenta, foi sendo introduzida uma nova concepção sobre os meios de administrar o comportamento humano, que revolucionou o pensamento científico em diversos campos do conhecimento: a concepção sistêmica.
De acordo com Bertalanffy (1975), precursor da teoria geral dos sistemas - aplicada em diversas áreas do conhecimento (física, biologia, psicologia, sociologia, inclusive administração) - as várias áreas de conhecimento precisam ser integradas para que seja possível compreender melhor os fenômenos. Bertalanffy chamou a atenção dos estudiosos para a necessidade de entenderem os fenômenos a partir de uma concepção sistêmica. Tal concepção permite compreender e estudar os fenômenos a partir de redes de interações complexas, as quais são influenciadas por diversos tipos de fatores, tais como os fatores sociais, políticos, econômicos, culturais, ambientais entre outros.
Transportando essa concepção para os fenômenos que ocorrem em contextos organizacionais, sua compreensão dependerá da adequada identificação das possíveis interferências exercidas pelos sistemas que envolvem tais contextos e nos quais estão inseridos: sistemas político, econômico, social, cultural, os quais se apresentam em constante inter-relação e determinam, em diferentes graus, as condições organizacionais em determinado momento. Também é preciso ter claro que os sistemas que envolvem o ser humano são construídos pela própria humanidade. Ou seja, os acontecimentos históricos, como enfatiza Bertalanffy (1975), implicam em decisões e ações humanas que, por sua vez, são movidos por sistemas sócio-culturais (preconceitos, ideologias, tendências sociais, grupos de pressão, interesses políticos). Nesse sentido, entender a realidade na qual o homem está inserido significa compreender os contextos que subjazem à sua existência. A partir dessa perspectiva é preciso considerar que o comportamento humano determina cada momento histórico, sendo que, ao mesmo tempo em que o constrói, é influenciado por ele, no sentido de que a própria história escrita pelo homem se torna base para suas futuras ações (Lane e col., 1992; Vigotski, 1998).
Para ter referência desse processo histórico construído pelo homem, basta buscar compreender as grandes transformações tecnológicas decorrentes da intensa industrialização e as mudanças nos valores sociais ocorridas pela submissão das massas à elite no poder, ocorrências do início do século XX. Diante de tais mudanças, a produção científica, especificamente na área da psicologia, torna-se alvo de apropriação por vários tipos de profissionais que lidam com o comportamento humano. Profissionais das áreas econômica, política, organizacional, entre outras, passaram a utilizar os conhecimentos desenvolvidos pela psicologia a respeito do comportamento humano, para manipular as pessoas que estavam sob seu poder. Nesse sentido, o conhecimento psicológico produzido passou a ser visto como formador da concepção do "homem robô". Tal concepção relacionava-se ao homem compreendido como um ser alienado, amortecido pelas transformações tecnológicas, sociais e econômicas, em estado de inércia por sua situação de submissão.
Decorrido um século, não é. possível afirmar que essa realidade tenha se alterado. Na sociedade globalizada contemporânea, o indivíduo comum não deixou de ser manipulado pelos mecanismos do poder. A mudança refere-se à forma como atualmente o poder é exercido. As técnicas de manipulação do comportamento humano tornaram-se mais refinadas e sutis e, conseqüentemente, mais perigosas. Como exemplo, é possível citar o caso de organizações que, por meio do discurso de uma suposta autonomia, permitem que o funcionário acredite atuar de acordo com seu próprio ritmo e modo de agir, porém, formulam exigências que, muitas vezes, não são explicitadas. As exigências são cobradas indiretamente, por meio dos resultados (quantidade de produção, tipo de produção realizada etc.), ou podem ser percebidas no próprio modo como os resultados são esperados. O fato de as pessoas não sentirem estar sendo controladas não significa que o controle não exista. Na realidade, muitas vezes o controle ocorre de forma coercitiva, manipuladora, mas sutilmente, podendo configurar uma forma ainda mais nociva de controle sobre as pessoas, à medida que elas não apresentam comportamentos de resistência ou de defesa contra ele, pois não percebem sua existência (Sidman, 2001). Parece que ainda há resquícios do homem robô na atualidade!
A concepção sistêmica surge para melhorar a compreensão do comportamento humano à medida que o conhecimento produzido, visto sob uma perspectiva sistêmica, pode ser utilizado a fim de identificar as conseqüências de certos procedimentos científicos e, até mesmo, das ações de certos profissionais de intervenção direta (administradores, psicólogos, economistas, sociólogos) na sociedade. A introdução da concepção sistêmica na ciência psicológica permitiu que o comportamento humano fosse compreendido, como esclarece Bertalanffy (1975), a partir das entidades simbólicas criadas pelo próprio homem (cultura da sociedade, da organização na qual trabalha, identificando valores, crenças, leis, normas, regras, rituais, os quais servem como "pano de fundo" para os homens se comportarem). A dificuldade dos administradores em gerenciar a ação humana para atingir os objetivos organizacionais parece estar relacionada, principalmente, à falta de compreensão a respeito do comportamento humano. Elaborar estratégias que direcionem melhor a ação humana dentro das organizações exige dos profissionais o entendimento do comportamento sob a visão sistêmica, identificando interferências no comportamento humano e aquilo que deve ser considerado para coordenar adequadamente os esforços das pessoas.
Em pesquisa realizada por Zanelli (1999) na Universidade Federal de Santa Catarina, com os vinte e três representantes responsáveis pela elaboração do Plano Estratégico da Universidade, com o objetivo de aperfeiçoar tal plano, seu autor concluiu que há pouca ênfase na dimensão humana. Além disso, identificou, ao analisar os planos que deveriam nortear as ações dos funcionários: a falta de clareza de objetivos; a inadequação dos sistemas de administração; a falta de integração entre os departamentos; a ausência de diretrizes claras, entre outros problemas. Os resultados encontrados nessa pesquisa demonstram que qualquer um dos aspectos apontados pelos dirigentes entrevistados, tais como os problemas enfrentados na implementação e manutenção do Plano Estratégico elaborado, dependem da habilidade humana. "(...) são os indivíduos que se comprometem, ou não, e efetivam, ou não, as propostas de uma gestão" (Zanelli, 1999:168). Por meio da pesquisa de Zanelli, é possível perceber as implicações da falta de compreensão das determinações e influências do comportamento humano para o gerenciamento das organizações. Desconsiderar ou minimizar a importância de administrar o comportamento humano para atingir os objetivos organizacionais faz com que, cada vez mais, as organizações apresentem dificuldades em atingir seus objetivos.
É importante observar que as mudanças na forma de administrar as organizações surgiram por imposição do ambiente externo. Os administradores perceberam os impactos produzidos pelo meio externo às organizações, compreendendo que elas não existem isoladas de tal meio, à medida que sofrem interferências do contexto social, político, econômico, cultural no qual estão inseridas. A concepção sistêmica que estava se estruturando na mesma época em que tais transformações começaram a ser percebidas - década de sessenta - propiciou a compreensão desse fenômeno. Além disso, permitiu a elaboração de novos modelos de gestão que se adequassem a essa dinâmica de interação da organização com o mundo externo. Um desses modelos é o do planejamento estratégico que consiste em, a partir das características do contexto no qual a organização está inserida, definir objetivos e identificar as ações das pessoas e as estratégias necessárias para a consecução desses objetivos.
Pesquisas como a realizada por Mello (2000), com uma empresa de transportes coletivos urbanos de Santa Catarina demonstram que, avançando na forma de implantar as propostas da administração estratégica por meio de um processo de participação, é possível evitar que as decisões se limitem às crenças, experiências e informações dos dirigentes da organização (Borges e Araújo, 2001). Os resultados encontrados por Mello (2000) permitiram observar que a elaboração de instrumentos e procedimentos analíticos para obter mais informações a respeito da direção em que se encontra a organização em relação aos seus objetivos, melhorou o desempenho dos gerentes. Nesse caso, a administração estratégica foi utilizada no sentido de desenvolver métodos que permitissem maior controle por parte daqueles que são responsáveis por obter melhores desempenhos de seus subordinados. O desenvolvimento desses métodos, a partir da administração estratégica, ajuda a direcionar os esforços da organização em direção aos seus objetivos, permitindo correções por meio da identificação de desvios nas avaliações e controles feitos.
Mas a administração estratégica não é limitada ao desenvolvimento de métodos analíticos de acompanhamento de desempenhos. A elaboração de um plano estratégico implica em algo mais complexo do que a elaboração de procedimentos a fim de controlar e avaliar a ação humana. Borges e Araújo (2001), descrevem um processo de implantação do planejamento estratégico aplicada no Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tal pesquisa demonstra como a formulação de estratégias pode permitir a administração da ação humana quando é feita de forma adequada. O processo ocorreu por meio da participação dos dirigentes e funcionários, de forma democrática e participativa. Consistiu, basicamente, de uma análise geral do desempenho organizacional, das necessidades e potencialidades - análise do macroambiente no qual a organização está inserida (ameaças e oportunidades - clientes, concorrência, sistema político, econômico) e analise do ambiente interno (pontos fortes e fracos - análise dos recursos disponíveis, das competências dos funcionários, dos processos). Em seguida, foram especificados os objetivos a atingir, ou seja, o futuro desejado pela organização, bem como os efeitos a serem produzidos na organização e no ambiente externo. A partir da especificação dos objetivos, foram definidas as ações necessárias para concretizar os objetivos estabelecidos, selecionando e hierarquizando as ações prioritárias e os grupos que serão responsáveis por sua implementação.
A pesquisa feita por Borges e Araújo indica avanços na forma como o planejamento estratégico foi realizado, pois apesar de apresentar algumas limitações na formulação dos objetivos (alguns deles parecem vagos e contextualizados inadequadamente em relação às situações em que deverão ocorrer), foram especificadas as ações necessárias para atingi-los, demonstrando clareza de que são as ações humanas que permitirão sua consecução.
5. Formular objetivos claros é essencial
A partir da definição dos objetivos organizacionais é preciso explicitar os tipos de ações que devem ser apresentadas pelas pessoas para que seja possível chegar à determinada situação ou resultado. A especificação da ação compreende, também, a explicitação da situação na qual ela ocorrerá, bem como a possível conseqüência da ação. É essencial descrever os comportamentos esperados das pessoas de forma contextualizada, considerando a sua ocorrência no macroambiente. lembrando ainda as contribuições que a concepção sistêmica tem trazido quanto à multideterminação dos eventos na natureza. É importante destacar, portanto, a diversidade de aspectos que podem estar interferindo com quaisquer tipos de situações e, nesse caso, especificamente, das situações organizacionais.
O que as organizações podem formular como objetivos depende do que pretendem obter como efeitos, bem como das condições que apresentam para atingir esses objetivos. É importante destacar, também, que existem diferentes tipos de objetivos. Botomé (1981) indica, basicamente, dois tipos. Um que compreende objetivos num plano estritamente "administrativo", no qual parece necessário enfatizar e explicitar as metas numéricas e mesmo a projeção em termos de tempo, os custos do trabalho etc. Já o outro plano se refere ao que as pessoas farão em relação às metas organizacionais. A pergunta básica, nesse caso, é o que cada um deve fazer, e como deve fazer, para que sejam obtidos os resultados finais de interesse.
De modo geral, independente do tipo de objetivos considerados, é fundamental que as organizações saibam especificá-los de forma clara e objetiva. A especificação de objetivos de forma clara e objetiva é possível por melo da indicação das ações que, de fato, referem-se àquilo que deve acontecer na realidade, transcendendo o hábito de considerar ações vagas e, muitas vezes, vazias2, como objetivos. Além disso, para especificar os objetivos é preciso considerar os ambientes antecedente e conseqüente às ações das pessoas, considerando-se que as ações não ocorrem num "vácuo", mas num ambiente bem delimitado.
6. Gestão de pessoas como sinônimo de administrar comportamentos
A evolução das formas de gestão de pessoas aplicadas pelas organizações foi fundamentada nas teorias administrativas desenvolvidas ao longo do século XX. O comportamento humano e as relações sociais tornaram-se focos de estudo de muitos pesquisadores, dentre eles, psicólogos, sociólogos e antropólogos que buscavam compreender suas influências sobre as organizações. Os primeiros estudos relacionavam-se às influências que as relações sociais, formais e informais, exerciam sobre a produtividade dos trabalhadores. Stoner e Freeman (1985) citaram alguns estudos tais como o de Follet e Barnard, os quais pesquisaram a natureza interativa dos grupos em contextos de trabalho e Elton Mayo, que identificou as influências das relações sociais sobre o nível de produtividade. Além desses estudos, os autores citaram também pesquisas baseadas na ciência do comportamento, mais voltadas para estudos sobre as motivações humanas, tais como os realizados por Argyris, Maslow, McGregor, Herzberg.
No início da era industrial, no auge da gestão taylorista e fordista, foi introduzida a gestão de recursos humanos, altamente técnica, voltada para procedimentos que viabilizassem a redução de custos e o aumento da produção. A administração de "recursos humanos", apoiada nas teorias administrativas formuladas a partir de conceitos apropriados da psicologia, sociologia, antropologia, focada no elemento humano que constitui as organizações buscava, por meio de um conjunto de princípios, estratégias e técnicas, contribuir para a atração, manutenção, motivação, treinamento e desenvolvimento das pessoas (Toledo, 1984).
Com o tempo, a ênfase passou a ser dada aos cargos que as pessoas ocupavam e às tarefas que competiam aos seus ocupantes. A gestão de recursos humanos baseada em cargos sofreu transformações ao longo das décadas, sendo aperfeiçoada à medida que novas técnicas de avaliação de cargos e de elaboração do sistema salarial foram introduzidas. Mas, mesmo com as mudanças, o sistema de gestão baseado em cargos, segundo Albuquerque e Oliveira (2001), apresenta muitas limitações, tais como falta de flexibilidade (reduzindo a agilidade organizacional), recompensa injusta (não importando se o desempenho dos funcionários estivesse acima da média), disparidades de funções referentes aos mesmos cargos de organização para organização, centralização das decisões, manutenção da hierarquia em detrimento do foco em processos, limitações de atuação, de responsabilidade etc. Embora, como foi apontado pelos autores, o sistema de gestão de recursos humanos baseado em cargos apresente muitas limitações às organizações, ainda hoje é muito utilizado por elas, tal como evidenciado por Mello (2000) na pesquisa com as empresas mineiras que, apesar de apresentarem um discurso pertinente a uma gestão de pessoas modernizadora, continuam voltadas para técnicas e procedimentos administrativos.
No início do século XXI, O conceito de gestão de pessoas começa a substituir o conceito de gestão de recursos humanos. As funções dos departamentos de recursos humanos sofreram alterações significativas, à medida que deixaram de se voltar para questões técnicas e administrativas a fim de, segundo Fischer (2001), buscarem compreender o ser humano no trabalho e desenvolver a educação corporativa. O novo modelo de gestão de pessoas discutido por esse autor compreende um conjunto organizado de políticas, práticas e processos de gestão de ajuste do indivíduo a um estereótipo de eficiência estabelecido pela empresa, o que significa dizer que os comportamentos dos indivíduos são ajustados às exigências da organização.
Administrar recursos humanos tornou-se um conceito limitado quando relacionado às novas funções estabelecidas pela gestão de pessoas. O papel do homem no trabalho vem sendo transformado, fazendo com que deixe de realizar atividades exclusivamente operacionais - substituídas por máquinas - para usar mais as competências essencialmente humanas como intuição, saber e criatividade (Fischer, 2001). Esse tipo de mudança nas exigências estará refletida no tipo de gestão empregada para gerenciar pessoas no trabalho. Esse tipo de gestão apresenta uma preocupação maior com a administração das condições que propiciam o desenvolvimento das competências das pessoas e a execução de suas atividades de forma eficiente e eficaz. Ao mesmo tempo, ocorre uma diminuição do interesse relacionado, exclusivamente, às atividades de trabalho.
As formas de gestão de pessoas, que antes eram chamadas de gestão de recursos humanos, estão mais voltadas, desde os anos noventa, para as competências individuais, dando maior ênfase aos aspectos comportamentais (Albuquerque e Oliveira, 2001). Embora os administradores e pesquisadores da área discursem a respeito de novas técnicas e procedimentos de gestão de pessoas, na prática, tais mudanças não são percebidas, tal como afirmam Lins e Zúniga (1998), com base nos resultados encontrados em pesquisa realizada com seis empresas mineiras. A partir da descrição da pesquisa, é possível verificar que as empresas estudadas apresentam uma administração de recursos humanos mais voltada para aspectos técnicos, tais como avaliação de desempenho e de cargos, salários e carreiras, recrutamento e seleção de pessoal (Lins e Zúniga, 1998). Gerenciar as pessoas em contextos organizacionais significa muito mais do que desenvolver técnicas e procedimentos administrativos. Significa, por exemplo, criar condições para que as pessoas possam desenvolver competências relacionadas ao trabalho que desenvolvem, objetivando torná-las cada vez mais eficientes, eficazes, participativas, satisfeitas e realizadas profissionalmente.
Parece que as práticas administrativas (e as pesquisas) precisam se voltar mais para o aprofundamento da identificação das variáveis que podem estar influenciando o comportamento das pessoas no trabalho, bem como para o exame do impacto dessas variáveis sobre a ocorrência desses comportamentos. Algumas perguntas parecem necessárias para que sejam compreendidos e administrados comportamentos humanos em contextos organizacionais. Que tipos de situações favorecem a ocorrência de determinados comportamentos? Que situações os inibem? Que arranjos ambientais são necessários para que as pessoas possam atuar da forma esperada?
Nas práticas de administração de recursos humanos baseadas em cargos, um ajudante de produção, por exemplo, não poderia contribuir mais do que um gerente. Com o advento da proposta de gestão de pessoas, que veio substituir a gestão de recursos humanos, é possível que operários qualificados atuem de forma multifuncional e polivalente podendo, às vezes, estar mais bem preparados do que alguns gerentes. Nesse sentido, o que vale são suas ações e o que elas podem trazer às organizações em forma de benefícios. Na gestão de pessoas, o trabalhador pode participar de seu próprio processo de desenvolvimento, assumindo tarefas e responsabilidades de maior complexidade, que exijam diferentes tipos de competências. É possível alterar a complexidade das atribuições e responsabilidades de um funcionário sem, necessariamente, alterar seu cargo ou sua posição (Dutra, 2001). Dessa forma, ocorreria uma mudança de perspectiva, na qual as competências se tornam o foco da gestão de pessoas, e não mais os cargos. Surge então, a compreensão de que gerir as competências das pessoas é um dos aspectos essenciais para administrar organizações.
Conforme esclarece Fischer "(...) o modelo de gestão de pessoas deve ser compreendido como o conjunto de políticas, práticas, padrões atitudinais, ações e instrumentos empregados por uma empresa para interferir no comportamento humano e direcioná-lo no ambiente de trabalho" (2001: 19). Segundo esse autor, as empresas enfrentam um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que estão buscando mais do que nunca as habilidades essencialmente humanas, como conhecimento, criatividade, intuição, sensibilidade, elas inibem a utilização desse tipo de habilidades quando expõem seus funcionários a situações de competição acirrada, de intensificação do ritmo de trabalho, estabelecimentos rígidos de padrões de desempenho e de conduta. O próprio sistema organizacional desestimula os funcionários a desenvolverem as habilidades que tanto exigem que apresentem. É a partir da dinâmica organizacional que são criadas as contingências que interferirão no comportamento das pessoas, levando-as a se comportarem de determinadas maneiras que, muitas vezes, são contrárias àquilo que é desejado pelos dirigentes da organização.
Administrar pessoas em contextos de trabalho significa controlar os fatores que interferem nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. Identificar os fatores que interferem nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores não significa dizer que seus comportamentos devam ser controlados, mas que é preciso identificar e propiciar as melhores condições para a execução de cada tipo de atividade, as competências necessárias a serem desenvolvidas, os fatores que motivam os trabalhadores, os recursos e as estruturas necessários para a execução das atividades, a fim de garantir qualidade de vida aos trabalhadores, sua realização profissional e pessoal, bem como o desenvolvimento e a realização da própria organização.
7. A centralidade da administração de comportamentos humanos nas organizações
Compreender as organizações como fenômenos construídos socialmente significa considerá-las além de suas estruturas físicas. Observar a dinâmica das relações estabelecidas nos ambientes organizacionais, bem como as múltiplas variáveis que interferem na existência das organizações é fundamental para que seja possível compreender o lugar e a função das organizações na sociedade.
Os seres humanos vivem em sociedades organizacionais à medida que, desde seu nascimento, entram em contato com organizações (formais e informais). A família, por exemplo, pode ser considerada uma organização informal que possui sua própria estrutura e dinâmica de funcionamento, constituída por valores, normas, rituais que, por sua vez, fazem parte de um sistema mais complexo, compreendido pelos valores, normas, rituais da própria sociedade na qual está inserida. As organizações de trabalho também estão presentes na sociedade, ocupando lugar de destaque, principalmente por permitirem uma identificação das pessoas no ambiente social já que, em sua maioria, é pelo que elas fazem que são reconhecidas. O trabalho, pela sua centralidade, é um forte aspecto da identificação das pessoas como seres sociais e, como tal, precisa ser estudado como um fator importante para a compreensão das ações humanas.
Discutir o modo de inserção das organizações no ambiente social implica em considerá-las como um fenômeno multideterminado, contendo vários subsistemas relacionados, inserida em uma série de sistemas maiores, tal como permite compreender a visão sistêmica. Isso significa dizer que, ao procurar compreender as organizações, a análise dos aspectos que as constituem, bem como dos aspectos que nelas interferem é imprescindível. Considerar o contexto histórico, social, cultural, político; econômico, bem como aspectos mais específicos, tais , como aqueles relacionados à constituição e desenvolvimento das pessoas que fazem parte da organização tornam-se essenciais para o trabalho com e nas organizações.
Administrar organizações parece ser uma competência extremamente complexa que, ao ser desenvolvida nos dirigentes, deve considerar os aspectos que constituem e interferem nas organizações para que seja possível, em última instância, administrar de forma eficiente e eficaz. Como administrar o comportamento das pessoas nos ambientes organizacionais, já que são elas parte essencial da constituição das organizações?
Administrar comportamento humano ocupa um lugar central quando é considerada a administração das organizações, pois são as pessoas as responsáveis pela constituição e pelo desenvolvimento organizacional. No que consiste, então, administrar comportamento humano nas organizações? O comportamento humano ocorre inserido em um contexto específico, a partir de determinadas relações. Não está "no ar", nem tampouco depende de uma "instância interna instalada nas pessoas" para ocorrer, ao contrário, está "fora", nas relações. Aprender a administrar comportamento humano significa administrar pessoas em quaisquer contextos, porem, administrar comportamento humano não significa controlar as pessoas, mas controlar as situações, os contextos nos quais ocorrem os comportamentos. A forma como as pessoas se comportam tem estreita relação com as situações organizacionais que lhes são apresentadas. Assim, muitas vezes, comportamentos considerados indesejáveis pelos dirigentes são induzidos pelo proprio contexto organizacional.
Como enfatizado por Botomé (1981), ha uma diferença entre controlar comportamentos e controlar as variáveis que interferem na ocorrência de comportamentos. Fazer com que as pessoas tenham maior compreensão do ambiente no qual atuam pode fazer com que tenham, também, maior controle sobre seus comportamentos. Administrar comportamentos humanos pode ser uma forma humana e eficaz de administrar as pessoas nas organizações.
Há por isso necessidade de pesquisas voltadas para a identificação dos aspectos que interferem na ação humana e que precisam ser considerados pelos administradores na elaboração de estratégias que direcionam a ação das pessoas. As estratégias compreendem linhas de ação e alocação dos recursos necessários para a consecução das metas e objetivos organizacionais (Zanelli, 1999). Nesse sentido, as estratégias são um conjunto de políticas, normas, regras, metas que formam um plano de ação. Não deixam de ser padrões de condutas para que as ações dos indivíduos sejam direcionadas ao mesmo fim, logo, as estratégias precisam ser elaboradas de forma consciente e anteriormente às ações a que irão se referir. Identificar quais competências as pessoas deverão desenvolver é imprescindível para que seja possível identificar as ações necessárias e as condições apropriadas para o seu desenvolvimento.
Um profissional que tem como responsabilidade administraras ações de seus funcionários para atingir objetivos pré-definidos, precisa ser capaz de identificar quais os aspectos que podem interferir no comportamento humano. É preciso ter clareza de que cada pessoa apresenta uma história de vida e que suas ações são influenciadas, em grande parte, pelos seus valores, suas crenças, suas expectativas, mas também pelo ambiente no qual estão inseridas. As conseqüências das suas ações, por sua vez, também são informações importantes a serem consideradas na busca da compreensão a respeito do fenômeno "comportamento humano nas organizações". A análise das conseqüências das ações das pessoas pode permitir verificar quais condições favorecem a consolidação de certos padrões de comportamento. Nesse sentido, para compreender o comportamento humano em contextos de trabalho (ou em qualquer outra situação), é preciso identificar as variáveis e características dessas variáveis que interferem nele (variáveis relacionadas às ações e às situações nas quais as ações das pessoas ocorrem).
Muitas vezes, a saída que os dirigentes encontram para a consecução dos objetivos organizacionais, quando estes já têm clareza da importância dos seus funcionários para tal consecução, é a de treiná-los nas habilidades necessárias para o desempenho adequado de suas funções. Porém, antes de treinar é preciso ter claro quais competências são necessárias desenvolver nos funcionários para atingir os objetivos organizacionais. Ainda anterior à especificação das competências necessárias, é essencial a formulação dos objetivos organizacionais, tendo em vista que é a especificação desses objetivos que irá conduzir a organização à "linha de chegada" almejada. Um outro fator que parece importante, além da especificação dos objetivos e das habilidades que os funcionários deverão apresentar (bem como o desenvolvimento dessas habilidades) é a própria capacidade dos funcionários contextualizarem suas ações em relação aos objetivos organizacionais, para que possam a elas atribuir significado, pois a percepção de falta de sentido naquilo que fazem pode prejudicar o desempenho individual e organizacional.
Administrar comportamento humano implica em administrar aquilo que as pessoas fazem como participantes das organizações, o que envolve o desenvolvimento de competências, habilidades para atuarem no sentido desejado (e não apenas "treiná-las", "adestrá-las" a emitirem comportamentos estereotipados, como comumente é feito). As pessoas são o principal meio de atingir os objetivos organizacionais. Nesse sentido, sua preparação é essencial, assim corno é essencial, também, a clara definição dos objetivos. Afinal, se não há clareza "de onde se quer chegar", é possível que "se chegue em algum lugar", no entanto, raramente ao lugar almejado.