Quando a vaidade se transforma em obsessão 

 

Magda Lizbir Gomes

 

A obsessão pela beleza e corpos perfeitos é grave e já tem nome: dismorfofobia ou transtorno dismórfico corporal. 

 

Este transtorno atinge hoje em dia grande parte da população mundial, principalmente adolescentes. Mas a dismorfofobia não tem sexo nem idade, pode atingir todos, pois os ideais de beleza impostos pelo mundo da moda e da mídia são, até agora, os principais responsáveis pela obsessão das pessoas de quererem um corpo perfeito e um aspecto impecável. O bullying e a tendência dos selfies também contribuem atualmente para esse tipo de problema. 

 

As pessoas com dismorfofobia têm problemas em controlar os pensamentos negativos acerca da sua aparência, mesmo quando os outros garantem que estão ótimas. As causas dessa perturbação são múltiplas, podendo estar associadas a questões biológicas, psicológicas, sociais e culturais, atuando sobre uma certa predisposição individual.

 

A linha que separa você de ser "saudável" e de ter uma compulsão por algo é tênue. Quantas vezes você se olhou no espelho e ficou descontente com o que viu? Deixou de usar determinada roupa ou ir a algum evento por estar insatisfeita com a imagem refletida? Em algum momento da vida, todas as mulheres já questionaram a beleza bem em frente ao espelho: uma gordurinha que não deveria existir, seios mais firmes (e maiores), pele mais lisa e a obrigação de seguir uma alimentação “supersaudável”. Para alguns, isso pode parecer frescura e até mesmo exagero, mas as doenças da beleza são reais e cruéis.

 

“Há 40 anos, se dissesse para você que eu malho todos os dias, não como salmão por ter hormônios, faço exames periódicos e não como carboidratos depois das 18h, você provavelmente diria que eu tenho um transtorno. Hoje em dia, essas práticas são ressignificadas”, explica a Joana Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS), da PUC-Rio.

 

A percepção do que é a beleza adapta-se de tempos em tempos, dificultando o diagnóstico e a abordagem sobre tais patologias. Tanto que elas só foram incluídas no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês) em 1995. “O nome psiquiátrico é transtorno dismórfico corporal, que é, na verdade, um transtorno obsessivo compulsivo (TOC) com ‘ares contemporâneos’. São os transtornos que geram uma distorção na imagem corporal e também uma mudança severa no regime alimentar – como a anorexia, vigorexia, bulimia e ortorexia.”

 

Já houve décadas em que estar acima do peso era o padrão de beleza, com mais curvas e “gordurinhas”, ao passo em que, hoje, vivemos uma era de culto ao corpo “saudável” – e muito mais magro do que antes, diga-se de passagem. “Esses parâmetros para enquadrar e classificar o que é doença e o que é vaidade e cuidado também mudam ao longo da História”, elucida Dra. Joana. As doenças da beleza são transtornos que, por sua vez, configuram um quadro de ansiedade severa, enquadrado como transtorno obsessivo compulsivo (TOC).

 

Vaidade x obsessão                

 

Algumas atitudes cotidianas podem ajudar a diferenciar a vaidade de comportamento obsessivo. “A pessoa tem uma relação compulsiva com comer, exercitar-se e aceitar-se. Ela faz isso não porque quer, mas por não conseguir evitar essa série de comportamentos que se encaixam no quadro de transtornos de ansiedade bastante severos.”

 

Se passarmos a analisar a origem desses transtornos de forma mais profunda, podemos detectar que alguns de nós não nascem com o sexo que os nossos pais queriam, fazendo com que a gente passe a se rejeitar, pois já fomos rejeitados por eles primeiramente, mesmo de forma inconsciente. Outro fator é quando não nos sentimos amados ou aprovados pelos nossos pais, e a carência afetiva vivida na infância, a constante crítica destrutiva ou mesmo uma brincadeira focando sempre uma determinada característica podem ser fatores de predisposição para essa perturbação. Embora seja no começo da adolescência que nos tornamos mais sensíveis às censuras, comentários e comparações, fazendo com que a gente busque fora a aprovação dos outros e nos tornando uma presa fácil para a manipulação da moda e da mídia, a gente passa a ter como referência de autoaceitação o que os outros dizem, como querem que eu seja ou me comporte para poder ser amado e aceito. 

 

Na adolescência, o indivíduo ainda está em formação. Os comentários dos pais, dos familiares ou dos amigos assumem um enorme significado, muito superior à repercussão que teriam num adulto. Situações traumáticas, como, por exemplo, ter sofrido bullying por está fora dos “padrões”, aquele menino magro que se sentia inferior e frágil e que agora se tornou obcecado pelo fisiculturismo, aquele garoto em que o pai batia constantemente e decidiu ser forte e boxeador ou aquela menina que foi abusada sexualmente e decidiu de forma inconsciente engordar para não ser mais atrativa e evitar mais abusos, podem estar relacionadas às doenças da beleza. Não quero dizer com isso que toda gordura está relacionada a abusos, pois existem vários fatores para o excesso de gordura. A lista de traumas é grande. Também podem ter vivido experiências amorosas negativas, uma reprovação no ambiente de trabalho ou na família. 

 

A gravidade do processo dismorfofóbico é ainda maior quando essa preocupação excessiva persiste na idade adulta. Ao sair da adolescência, o indivíduo deve possuir suficiente maturidade emocional e autoestima para superar qualquer dificuldade motivada pelo seu aspeto físico e poder relacionar-se adequadamente com os seus semelhantes. Grande parte desses problemas podem ser solucionados se o verdadeiro problema for tratado, ou seja, se a causa emocional que está na origem da imagem corporal distorcida for resolvida.

 

Sintomas de dismorfofobia: 

 

Para que os profissionais de estética, nutrição e fitness consigam mais facilmente identificar essa perturbação nos seus clientes, aqui ficam alguns sinais e sintomas de dismorfofobia para os quais devem estar alerta:

 

•      Comparação frequente da sua aparência com a de outros.

•      Pesquisa excessiva sobre a parte do corpo vista como “imperfeita”.

•      Procura de cirurgia ou de outros cuidados, apesar das opiniões ou recomendações contrárias.

•      Procura de confirmação acerca do defeito percebido ou tentativas constantes para convencer os outros de que é anormal ou excessivo.

•      Recusa em frequentar circunstâncias sociais em que a “imperfeição” percebida possa ser notada.

•      Recusa em tirar fotografias.

•      Rituais elaborados para tratar da aparência.

•      Sentimento de desconforto em público (fobia social) devido ao “defeito”.

•      Tendência para sobrevalorizar a aparência física em prejuízo de outras competências.

•      Uso das mãos ou postura para esconder o “defeito”.

•      Uso de roupa excessiva, maquiagem e chapéus para camuflar a “imperfeição”

• Verificação repetida da parte corporal com “defeito” em espelhos ou outras superfícies refletoras.

 

Consequências da dismorfofobia

 

A dismorfofobia causa grande ansiedade e stress, prejudicando com frequência a vida social.  Há uma dificuldade em conhecer novas pessoas ou fazer amigos, por causa do grande receio de que a sua aparência física possa ser julgada de forma negativa. O desempenho na escola ou no trabalho ficar muitas vezes comprometido.

 

Algumas pessoas com dismorfofobia tendem a procurar de forma intensiva cuidados médicos desnecessários e excessivos, e procedimentos como a cirurgia estética, numa tentativa de corrigir ou melhorar significativamente uma imperfeição real ou apenas percebida pela pessoa. Tais procedimentos conduzem muitas vezes à insatisfação e podem piorar a sensação de imperfeição. Se a dismorfofobia for severa, as pessoas podem abandonar a escola, deixar o emprego ou evitar sair de casa. Nos casos mais severos, podem tentar o suicídio.

 

Tratamento

 

A maioria justifica-se pela vaidade e classifica esse comportamento positivamente, no sentido de cuidado com a aparência. No entanto, para o paciente, esta perturbação é fonte de grande angústia e mal-estar. O primeiro passo do tratamento consiste no reconhecimento, por parte do paciente, de que se trata de uma perturbação e de que há tratamento e cura. 

O tratamento para a dismorfofobia pode envolver uma abordagem combinada com medicação e psicoterapia, ajudando os pacientes a ultrapassarem a imagem distorcida que têm da sua aparência física. Esses dois tratamentos associados, quando bem conduzidos, produzem um resultado muito positivo, podendo, assim, diminuir a ansiedade e a obsessão, aumentando a autoconfiança e a autoestima, fazendo com que o paciente passe a ter uma vida com menos sofrimento e mais feliz.

 

 

 

Fontes: Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS), da PUC-Rio e Núcleo de Psicologia e Educação (NUPE)

 

 

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