O destino me persegue?

Se o destino ou, de outro modo, o acaso nos atinge, imaginamos que dá para controlá-lo com rituais nada racionais, mas que nos oferecem alívio e diminuem a angústia.

O rito é mantido porque seguimos uma lógica, por nós mesmos estruturada e introjetada, para explicar o que nos acontece de bom ou de ruim. Ela ganha um status de conduta protetiva e, portanto, não pode ser rompida. Ainda que o apelo à força não demonstre eficácia, nós não o abandonamos, por temor de desagradar ao que desconhecemos, que parece nos auxiliar ou prejudicar. Afinal, estamos lidando com forças que são anteriores a nós – e que não são impossíveis (no sentido de constituírem uma possibilidade), mas im- prováveis (por ser difícil comprovar sua existência).

Ao adentrarmos esse campo, vamos mantendo nossos rituais, na suposição de que abandoná-los pode nos trazer algum mal, alguma danação. Criado esse vínculo, está formada uma relação de servidão. Somos incapazes de nos desconectarmos de alguns modos de ação.

Muitos deles são cultivados desde cedo. A criança que não deixa de fazer o sinal da cruz, senão o pai dela vai morrer. O sapato não pode ficar virado ou a entrada sempre com o pé direito em algum lugar. É como se houvesse uma ordem que não depende de nós. A palavra latina “sobrenatural” ou a grega “metafísica” expressam aquilo que vai além do mundo material. É curioso porque essa conduta de acepção mágica do mundo não depende tanto de escolaridade. Mesmo que a pessoa tenha uma formação intelectual mais sofisticada, portanto mais voltada para os ditames da ciência, pode cultivar seus rituais metafísicos, ter suas superstições.

Qual é o sentido disso? Não há. Ele é um sentido idiossincrático. De certa maneira, as ideias de danação ou de proteção são idiossincráticas. As pessoas vão construindo seus rituais à medida que vivem, e mesmo eventuais insucessos não anulam a prática.

Tanto que, quando um evento desfavorável acontece, a pergunta é: “O que eu fiz para merecer?”. Na esteira desse questionamento inconformado, podem surgir outros tantos. Fiz para quem? Para o mundo? Fiz porque existe um roteiro? Ou eu estou fadado a seguir nesse caminho? É como se houvesse uma negociação com as forças. A expressão “por que logo eu?” sugere a existência de uma carga maléfica no mundo que tem de ser descarregada de algum modo. E por que direcionada logo a mim?

(...)

**Trecho retirado do livro "A Sorte Segue a Coragem " disponível em: https://amzn.to/2RfZqh1

Autor : Mario Sergio Cortella

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