Adriana Chiari Magazine

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HISTÓRIA DO MOÇO DE CHAPEU BRANCO E VERMELHO

HISTÓRIA DO MOÇO DE CHAPEU BRANCO E VERMELHO

 

(Síntese da história do Zé Pelintra das Almas que tem a humildade de trabalhar com o autor, seu médium)

 

Nasci no dia 21 de abril de 1912, em Monjolos, na Bahia. Morri assassinado (mereci?) no dia 11 de junho de 1945, em Crato, Ceará. O que aconteceu nesse meio tempo, nem tudo posso ou devo contar. Então, direi o essencial, salvaguardando identidades, locais e outros.

Prazer. Hoje sou Zé Pelintra das Almas e trabalho com este cavalo. Às vezes parece um potro de tão menino. Mas é bom e leva a sério o trabalho espiritual.

Nasci numa família de 5 irmãos. Meus pais serviam na lavoura. O forte da região era o milho, o que dava dinheiro era o cacau. Passamos muitas necessidades, sempre unidos. Eu era o terceiro filho, o mais pretinho e, verdade seja dita, o de bengala maior.

Aos 8 anos de idade fui levado para uma fazenda cacaueira. Nunca mais revi meus pais. Lá divertia a filha do patrão, uma loira de 12 anos, com peripécias que nenhum filho de fazendeiro ousava fazer. Aos 16 ela foi estudar em Salvador e a brincadeira acabou.

Aos 15 fui à zona pela primeira vez e me envolvi numa briga com um coronel para defender Consuelo. Meu patrão, amigo do dito coronel, não me matou, não me capou, mas me demitiu. Morei um tempo no quarto de Consuelo. Ela morreu de tifo, aos 35 anos. Eu era a alegria da zona, mas tive de ir embora. As outras moças já tinham donos.

 

SALVADOR

 

Cheguei a Salvador aos 17 anos. Empreguei-me no comércio como moço de recados. Fazia a alegria das donas casadas. As solteiras eram mais vigiadas

Conheci Suzana no armazém. Ercília na igreja. Janaína na zona de meretrício índia de cabelos negros e coxas grossas, alisava os clientes enquanto eu os roubava na mesa de jogo. Nunca roubei ingênuos, apenas os abastados e arrogantes, por vezes as duas características unidas na mesma pessoa. Com muito prazer explorava os coronéis que exploravam o povo nas fazendas de cacau. Depois explorava Janaína na cama, parceira de empreendimentos múltiplos.

Meu quarto nos fundos do armazém era simples, mas quase não dormia lá, preferindo o castelo onde Janaína trabalhava. Encontrava as casadas em hotéis suspeitos na Baixa do Sapateiro, na rua Chile, raras vezes em suas casas. Em alguns encontros até revisava os livros-caixa dos maridos (era bom em Contabilidade), tomando-lhes como pagamento sua melhor riqueza.

Reinei muitos anos em Salvador. Fiz fortuna, mas não enriqueci. Ganhava num dia e gastava noutro, era sustentado por mulheres a quem sempre tratei com carinho, dei alento, prazer, amizade e amor. Só batia nas que pediam e na cama, sem deixar marcas, embora houvesse maridos tão distraídos que não as encontrariam.

 

ADELAIDE

 

Adelaide era a esposa de um delegado com quem tive longo relacionamento em parte por sentimento por ela, em parte (confesso!) porque nunca gostei da polícia e suas formas de extorsão.

Tivemos dois filhos, Adilson e Renato e não adianta buscar os registros porque em anda facilita as informações.

Soube dos filhos após o meu desencarne. Eram brancos, ao menos bem mais claros que eu. Pensei que fossem do delegado. Não tive a alegria de ser pai. Talvez se Adelaide me contasse...

 

MORTE

 

Matei três. Um polícia, um capoeirista, um frade. As circunstâncias foram diversas, apenas a do frade envolveu mulher. O safado estuprou Alice, de 14 anos, que depois fugiu de casa e se refugiou numa zona, sendo minha protegida.

Não vale a pena matar, pois se encontra a todos do outro lado da vida.

O frade guardou muita mágoa de mim hoje é um Exu de Umbanda e trabalhamos juntos. Não revelo seu nome o cavalo sabe quem é.

 

CRATO

 

Em 1944 fui para o Crato (CE). Um novo cassino-castelo me chamava e eu queria outros ares. Conheci Suzette, falsa francesa, falsa magra, falsa ruiva, falsa em tudo.

Os coronéis do Ceará não eram tão ingênuos quanto os da Bahia. Os jagunços enfrentavam polícias e cangaceiros.

Suzette armou para mim com o coronel Domiciano a quem parecia ser fiel (anos depois ele a matou, pois descobriu que não era).

Levei dois tiros pelas costas

Morri.

 

PLANO ESPIRITUAL

 

O recomeço não foi fácil. Por saber uma série de rezas e trabalhos com ervas, virei (isto é, entrei para a falange de) Zé Pelintra.

Trabalhei em Mesa de Jurema, onde me pediam coisas absurdas, que me recusava a fazer.  Ressalto que a questão não era a Jurema, mas sim os juremeiros mais do que doutrinar, domei meu cavalo.

Este é o meu terceiro cavalo. Do segundo (uma moça) prefiro não falar. Não por despeito, mas por respeito. Ela não atendia pela Jurema ou pela Umbanda.

Meu cavalo já contou e eu reforço. Ele não foi avisado de antemão que eu trabalharia em sua coroa. Numa gira de Baiano, Severino intuiu que subiria para eu vir. E vim. No outro dia o cavalo começou a psicografar meu livro.

Com vários outros Guias que se anunciam, além daqueles das primeiras incorporações, ele recebeu algum recado ou sinal. Comigo foi a seco. No dia anterior terminou de ler uma das muitas biografias de Zé Pelintra. Nossas histórias divergem, mas são muito parecidas e somos muitos.

 

TRABALHO

 

Não faço o mal, não separo casal, também não sou Exu, mas trabalho tanto na Esquerda quanto na Direita. Venho na Linha de Malandros, na Linha de Baianos e (confesso!) até quando não sou chamado.

Não venho na linha de Pretos Velhos porque o Velho não deixa.

Sou doutor e gosto de meu anel de pedra vermelha. Hoje trabalho menos como juremeiro e mais como advogado. Afinal, também sempre gostei de papeis. Não á toa uso o cavalo para escrever.

 

ZÉ PELINTRA DAS ALMAS

 

Sou Zé Pelintra das Almas e já não tenho tantas saudades de ser Zé Pelintra dos corpos femininos. Sou alegre, brincalhão e o responsável direto pela disciplina da casa, com respeito, mas sem papas na língua.

Além dos dias de gira atendo através de meu cavalo noutro dia da semana sem custo algum para as pessoas porque assim é a Umbanda. Gostaria muito que Maria Padilha atendesse no mesmo dia que eu, mas os horários do cavalo dela são outros. 

 

MENSAGEM FINAL

 

O amor não destrói Ou não é amor.

 

(Transcrito do e-book “História do moço de chapéu branco e vermelho e outras histórias”, publicado pela Sattva Editora. Link: https://www.amazon.com.br/Hist%C3%B3ria-mo%C3%A7o-chap%C3%A9u-branco-vermelho-ebook/dp/B07L8QWXG3).

A partir do texto ditado por Seu Zé Pelintra das Almas está sendo preparado um curta-metragem, cujo projeto é coordenado por Edgar Pedro de Souza, com direção de Leonardo Granado e trilha sonoro aos cuidados de Leo Vieira.

 

Dermes (Ademir Barbosa Júnior) é terapeuta holístico, atuando com várias técnicas. É escritor e professor, Mestre em Literatura Brasileira pela USP, Doutor honoris Causa pelo MCNG – IEG e Pós-graduado em Ciências da Religião pelo Instituo Prominas.

 

 

Contatos: 

Email: ademirbarbosajunior@yahoo.com.br 

Fone: 47 997855349 (WhatsApp).