Adriana Chiari Magazine

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LUGAR DE FALA - Conto

LUGAR DE FALA

(CONTO)


Ademir Barbosa Júnior (Dermes)

 

            Uma alegria sem preço encontrar o Moisés do programa “O samba pede passagem” na sexta-feira à noite no Rei das Batidas. Milagre conseguir uma mesa, mas os pedidos não demoravam e eu gostava do Suor de Virgem. As batidas eram ligeiramente mais caras do que as dos outros bares da região, mas eram maiores e mais saborosas. Ali também eu havia encontrado o Randal Juliano, apresentador-ídolo da minha adolescência na TV Cultura.

            Quem entrava, parava na mesa do Moisés, não tinha jeito. Naquela sexta eu parei na entrada e na saída. Tomei umas batidas a mais, “umas” mesmo. Era verão, o país falava de monarquia e república, parlamentarismo e presidencialismo e entregávamos panfletos, como voluntários, para as profissionais do sexo do entorno. Uma noite, aliás, uma travesti me pediu algo para comer, ofereci o pacote de bolacha doce aberto e respondi que ficasse à vontade, aquele era meu jantar, mas dava para dois. Ela sorriu e disse Puxa, o professor está pior do que eu. 

            A mesa do Moisés era o ponto dentro do ponto, o olho do furacão. Eu parei ali, na saída, dizendo o quanto gostava do programa e o que ele representava para a cultura nacional etc. Estava altinho, mas o discurso era articulado e o Moisés emendava a argumentação. Então subi numa cadeira de plástico (os amigos ficaram preocupados, as pernas podiam ceder) e declamei em francês o “Femme nue... femme noire” do Senghor. Aplausos. Desci da cadeira e o Moisés se levantou, emocionado, e me abraçou. Minhas batidas ficaram por conta da casa, segundo o garçom, mas eu sabia que o Moisés é quem ia pagar. Todos nos abraçamos. Como não gastei nada, voltamos para a casa de táxi, eu e os amigos que me davam murrinhos nos ombros e diziam O Moisés, cara, você é foda... Dormi sonhando com a menina do curso de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa que fizemos juntos na Casa de Mário de Andrade, cujo pai tocava na banda do Emílio Santiago.

 

            Do livro inédito “De como Ivonete Rosa me salvou do suicídio”

 

Com dezenas de livros publicados (alguns com traduções para diversos idiomas, outros com premiações, indicações e certificações como PNLD e PNBE), Ademir Barbosa Júnior (Dermes) também publicou 36 revistas especializadas, com temáticas diversas, publicadas no Brasil e distribuídas também em Portugal. É Mestre em Literatura Brasileira pela USP, onde também se graduou em Letras, Doutor Honoris Causa pelo MCNG-IEG (SP) pela FEBACLA (RJ), Pós-graduado em Ciências da Religião pelo Instituto Prominas e titular da cadeira 62 da Academia Independente de Letras.

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